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Correio da Educação

Correio da Educação

Nasceu em 9 de Maio de 1899, numa povoação da freguesia de Cever, Santa Marta de Penaguião, filho de Augusto Ribeiro Cardona e Maria Emília Bonito. Concluído o ensino primário em Cever, vem estudar para em Vila Real, onde frequentou o Colégio de Nossa Senhora do Rosário, de Monsenhor Jerónimo Amaral, e o Liceu Camilo Castelo Branco. Foi em seguida prosseguir os estudos na Universidade do Porto, em cuja Faculdade de Ciências se licenciou em Matemáticas, curso que naturalmente o dirigia para o ensino.

Iniciou então uma longa e profícua carreira pedagógica. Leccionou sucessivamente, e ainda como professor provisório, no Liceu Gil Vicente, em Lisboa, e no Liceu Alexandre Herculano, no Porto. Depois, já como professor efectivo, leccionou no Liceu Emídio Garcia, em Bragança, e finalmente, a partir do ano lectivo de 1926-27 e até à sua aposentação em 1957, no Liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real, de que exerceu por diversas vezes as funções de vice-reitor. Mas a sua carreira pedagógica não terminou aí. A sua paixão pelo ensino e o seu gosto pela convivência com a juventude eram tais que, mesmo depois de aposentado, continuou a leccionar, agora no Colégio Moderno de São José, ainda durante seis anos.

Se pedirmos aos antigos alunos do Dr. Manuel Cardona uma opinião sobre o mestre, as respostas são unânimes: era um grande professor, científica e pedagogicamente muito bem preparado, compreensivo, interessado pelos progressos da aprendizagem – em suma, um professor de parte inteira. Por esse motivo, ganhou uma aura de popularidade entre os alunos, que nenhum testemunho desmente, a ponto de ser por vezes considerado “Pai da Academia”. Na verdade, os números da pequena publicação que saía, em alguns anos, pelo 1.º de Dezembro, traziam sempre um pequeno artigo seu, de encorajamento aos jovens académicos, a quem aconselhava e indicava caminhos de dignidade e nobreza de carácter. «Quando lhe batemos à porta lá está o nosso bom amigo a ajudar-nos, a dar-nos conselhos, a guiar-nos para tudo que é nobre, que nos pode dignificar», escreveu o então jovem finalista Eurico Figueiredo, no 1.º de Dezembro correspondente a 1956.

Casou em 21 de Setembro de 1927 com Dona Maria Luísa Boura Rebelo, de Sanfins, Alijó, de quem teve dois filhos: Joaquim Augusto, recentemente falecido, que foi médico nos EUA, e Manuel, advogado em Vila Real.

Paralelamente com a actividade de professor, o Dr. Manuel Cardona dedicou-se ao jornalismo e à literatura, inclinações que se manifestaram precocemente, já que, ainda estudante, foi director do Jornal A Nortada, órgão da Federação Académica do Porto. Em Bragança, em cujo Liceu exerceu o magistério entre 1923 e 1926, relacionou-se com o círculo de intelectuais que rodeava o erudito Abade de Baçal e escreveu para a imprensa local. Depois, já em Vila Real, foi um dos colaboradores mais regulares de O Povo do Norte, dirigido por Adelino Samardã, para o qual já escrevia pelo menos desde os seus tempos do Porto e Bragança. Neste jornal podia dar expansão às suas ideias republicanas, que professou durante toda a sua vida, mesmo em condições políticas adversas, numa época em que era perigoso, sobretudo para um professor do ensino oficial, desviar-se da linha política e social do Estado Novo. Apoiou monetariamente três publicações conotadas com a oposição ao regime: os jornais República e o efémero Diário Liberal, e a revista Seara Nova.

Colaborou também em A Centelha, em Aqui Vila Real e em diversas outras publicações.

Para além disso, o Dr. Manuel Cardona era constantemente solicitado a escrever versos e outros textos para sessões culturais, actos sociais e de filantropia, comemoração de efemérides, intercâmbios com outras cidades (Espinho e Póvoa de Varzim), etc. No espólio que deixou, existem numerosos textos inéditos (sobretudo poemas e também, pelo menos, duas peças de teatro), a pedir publicação.

O grande pedagogo faleceu em 25 de Agosto de 1980, em Paranhos, Porto. Está sepultado no Cemitério de Santa Iria, em Vila Real. Em 26 de Novembro de 1984, a Câmara Municipal de Vila Real, sobre proposta do então Vereador e actual Presidente, Dr. Manuel Martins, seu antigo aluno, deliberou atribuir o seu nome a uma rua da Cidade – justamente uma rua que ele percorria frequentemente nos seus passeios a pé, quando ia visitar o seu grande amigo Dr. Celestino de Azevedo, que morava na Quinta da Carreira, para dois dedos de conversa sobre filosofia, poesia e política.

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Outra das suas paixões foi a poesia, a que aliás se dedicou marginalmente, já que assumiu sempre como prioritária a sua condição de pedagogo.

Mas discretamente ia produzindo as suas composições, muitas delas pedidas pelas circunstâncias. Podemos afirmar que a maior parte da sua obra em poesia se encontra dispersa em folhetos e publicações periódicas.

É uma poesia bem na linha do chamado lirismo tradicional português, directamente inspirada em poetas como João de Deus e os neogarretistas, nomeadamente António Nobre. Obedece a cânones formais que no seu tempo estavam já a ser abandonados ou pelo menos menorizados pelos poetas portugueses: o soneto, a quadra ao gosto popular, a rima e a métrica. A própria linguagem é geralmente de grande singeleza. De tudo isto resulta uma poesia fresca, leve, muitas vezes madrigalesca, formalmente cuidada – mas prejudicada pela falta de modernidade e originalidade.

A sua obra publicada em livro é de resto muito escassa. Em 1923 publicou na Livraria Nacional e Estrangeira – Editora, do Porto, um livrinho de aspecto modesto, com capa de Joaquim Lopes, intitulado Cantares da serra, onde é possível descobrir quatro partes distintas. Na primeira parte predomina a lírica amorosa (por vezes assumidamente sensual, como no soneto “Posse”), aqui e ali com sugestões petrarquistas. Na segunda, intitulada “Poentes de fé” (dedicada ao seu amigo de toda a vida, o então tenente, futuro general, Aníbal Vaz), é o tom místico que vem ao de cima. Na terceira, “Minha terra”, o registo poético desloca-se para o bucólico. Finalmente, na quarta, constituída por um só poema (“Os emigrantes” – aliás o único que rompe de algum modo com o espartilho métrico), é possível surpreender alguns laivos de poesia social, ainda que à maneira do ingénuo folclorismo de António Nobre e Guerra Junqueiro.

Cantares da serra foi o único livro que publicou em vida, o que pode significar que, nos 57 anos de vida que lhe restaram, Manuel Cardona, com clarividência, julgou sempre dispensável publicar qualquer outro volume de poemas. Mas os seus filhos empreenderam em 1984 a edição de um livro póstumo, Cartilha do meu menino (quadras de edificação moral e sentido pedagógico escritas entre 1948 e 1950, dedicadas a seu filho Manuel).

Este segundo livro foi apresentado ao público em 10 de Novembro de 1984, numa sessão adequadamente realizada no Liceu Camilo Castelo Branco, em que usaram da palavra A. M. Pires Cabral, Eurico Figueiredo e Elísio Amaral Neves – e que no fundo constituiu um momento de evocação e homenagem ao grande pedagogo e cidadão que foi o Dr. Manuel Cardona.

 

SENHORA DA ALTIVEZ

Ao ver a altiva e iluminada graça

Do teu sorriso assim tão leve, eu cismo

Como tudo na vida esquece e passa,

E como é vã esta palavra: egoísmo.


Na luz do teu sorriso eu encho a taça

Do meu desejo imenso – fundo abismo –,

E endoideço minh’alma de desgraça

Nesse brando clarão de misticismo!


Meu doido Coração que é mais que Rei,

Senhor de mil domínios – nem eu sei

Aonde fica o último condado –,

Junto de ti, tomado de surpresa,

É como junto aos pés duma Princesa

Um altivo leão domesticado!

Manuel Cardona, Cantares da serra. – Porto: Livraria Nacional e Estrangeira,1923. (Grafia actualizada.)

 

 

Ciclos - Poesia Trasmontana e Alto-Duriense (Grémio Literário Vila-Realense)

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