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Correio da Educação

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1. Hoje fala-se em cotas, na participação política das mulheres. O século XX viu-as sentarem-se ao lado dos homens, nas mais diversas atividades sociais. Todavia, mesmo atingindo um nível considerável de sucesso, a verdade é que, nos tempos modernos e em termos políticos, a mulher nunca ombreou com o homem.

Desde o século V a.C. que as razões disso eram conhecidas: “uma porque tem de apaparicar o marido, outra porque tem de acordar o criado, outra porque tem de meter o filho na cama, outra porque tem de lhe dar banho ou de lhe meter a papa na boca…” (Aristófanes, Lisístrata, Círculo de Leitores, 1985: 12).

 

2. Essa obra, com vinte e cinco séculos, introduz as mulheres na política, confronta-as com os homens e “faz depender delas o futuro” do país: “Se, de facto, as mulheres da Beócia e as do Peloponeso se unissem às atenienses, poderemos salvar a Grécia” (14).

Qual é o problema? O afastamento dos homens, na guerra; o vício da navegação e do dinheiro existente na Acrópole para a política (31). Trata-se de “fazer com que nenhum homem doravante empunhe a lança para arremeter contra outro” (17). Do direito das mulheres ao prazer, por ausência dos maridos na guerra, para o que era necessário “pôr fim a esta” (24), ou seja, “convencer os seus maridos a optar pela paz justa e nobre” (31).

E qual é a sua arma? Renunciarem ao sexo e impedirem os maridos de acederem a ele. A linguagem é brejeira, própria da comédia, mas o tema, pioneiro no desenvolvimento.

Na assembleia de mulheres, Lisístrata e Lâmpito enfrentam a desolação das camaradas: “Nem por sombras”, diz Mírrima; “Por mim, pode continuar a guerra”, secundou Cleonice.

Mas o poder de persuasão das primeiras impõe o compromisso de todas: “Nenhum homem, amante ou marido, se aproximará de mim. Passarei o tempo em casa, levarei vida de virgem, adornada e vestida de cor de açafrão, para, assim, excitar mais o meu marido. Jamais me entregarei de livre vontade ao meu marido. E se ele me forçar, farei tudo de má vontade, perfeitamente insensível… Não alçarei as pernas… Não me porei de gatas… E, se isto cumprir, digna serei de beber desta taça. Terei de a beber cheia de água, se faltar ao que prometo” (34-37).

A luta é renhida, confessando as mulheres que “o seu mal é de amor” (76), não ficando eles a coberto dessa enfermidade, antes, sendo mais vítimas dele do que elas, vencedoras finais.

Na verdade, mensageiros e magistrados concluem que “As mulheres puseram os homens fora da cama e não deixam que ninguém lhes toque […] enquanto não reinar a paz em toda a Grécia”; mais, “por todo o lado, as mulheres juraram fazer o mesmo” (115).

Perante tal determinação, de ambos os lados, “enviam embaixadores com plenos poderes para fazerem as pazes” (116). Os homens reconhecem a derrota e proclamam: “O nosso sexo não suporta mais um tal estado” (124).

E, terminadas as negociações, Lisístrata, a chefe das revoltosas, ordena: “Acompanhe cada mulher o seu homem e cada homem a sua mulher. Dançando, agradecei aos deuses por tudo ter acabado em bem e fazei por não cairdes novamente no erro” (137).

 

3. Já tínhamos visto as mulheres Troianas de Plutarco queimarem os navios de seus maridos, após atracarem ao cais do rio Tibre, em Roma, enquanto eles reconheciam a costa. Estavam cansadas do mar alto. No regresso, com carícias, venceram-nos, livrando-se da fúria em que ficaram, ao verem os barcos a arder.

Aristófanes, porém, vai mais longe. Entrevê um relacionamento que estará, porventura, ainda, por vir. Não só cria a unidade das mulheres e uma temática a que ela se aplica, como a coloca ao serviço de uma causa política, enfrentando os homens, e levando a melhor sobre eles.

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