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Correio da Educação

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1) Como caracteriza o ensino em Portugal nos últimos anos?

 

O ensino não está tão bom como eu gostaria e acho que somos capazes de o pôr a funcionar, nem tão mau como o pintam os comentadores amantes de adjetivos cortantes e arrasadores.


2) Que propostas sugeria para melhorar o ensino em geral e da Matemática em particular?

Há muitas coisas que deveríamos fazer e poderíamos fazer melhor. Por exemplo, a ligação escola-família não funciona satisfatoriamente: ainda há défice de explicação aos pais sobre quais os rumos de cada escola e os pais procuram demasiado a escola para discussões redutoras de classificações escolares. A formação contínua de professores, essencial para uma boa qualidade do sistema educativo, está muito aquém do desejável. A Matemática tem ficado demasiado longe das outras disciplinas e muitas vezes confinada aos poucos minutos onde não cabe uma disciplina altamente exigente e extremamente cumulativa; uma saudável exceção tem sido o chamado Plano da Matemática, mas este parece estar em vias de extinção. Este plano suscitou um trabalho colaborativo dos professores de Matemática da mesma escola e de escolas vizinhas que é essencial para a contínua melhoria do ensino.

 

3) Como é que o funcionamento das escolas pode ser melhorado?

Primeiro que tudo, havendo um planeamento global, desde os horários aos espaços escolares. Não se compreende que nas escolas médias e grandes os horários não sejam planeados de modo a que as faltas dos professores de uma disciplina não sejam supridas por um professor da mesma área. Depois, atendendo às necessidades de específicas de cada disciplina. Não se compreende que muitas escolas não só não tenham laboratórios de Matemática, como estes tenham sido “retirados” nalgumas escolas e os novos edifícios não os contemplem sequer. Por último, um plano do tipo do Plano da Matemática deveria tornar-se permanente.


4) A profissão de educador parece ser cada vez mais complexa, desgastante, exigente, excessiva… qual é a sua perspectiva sobre esta questão?

“Excessiva”? Parece-me uma caracterização excessiva. Os desafios mudam necessariamente ao longo dos tempos e a “geração da Playstation” tem outras expectativas e necessidades a que a escola não pode ser alheia. O mundo do século XXI tem outras exigências que obrigam a escola a uma reanálise constante. O “segredo” é a melhoria da formação inicial de professores e a intensificação da formação contínua.


5) Como aperfeiçoar a articulação escola-família e fomentar o envolvimento dos pais na escola?

Essa é uma questão muito pertinente, como já dei a entender. Em termos gerais entendo que a escola deve comunicar muito mais frequentemente com os pais, dizendo cada professor (no mínimo no início do ano escolar) o que espera dos pais na prossecução dos objetivos escolares: deve ler algum livro, estudar pelo manual escolar com regularidade, a ordem vai ser diferente, deve comprar-se um caderno de atividades? Os pais devem ser chamados a colaborar, nas suas áreas profissionais com a escola: debates, introduções à vida de várias profissões, visitas de estudo guiadas... É muito importante a existência de Dias Abertos nas escolas, deve-se valorizar o trabalho dos diretores de turma, deve ser feito o convite aos pais para assistirem ou mesmo colaborarem em atividades da escola.


6) Que medidas se podem tomar para combater a indisciplina e o insucesso escolar?

É curioso que essa questão seja colocada assim. O insucesso vem muito de situações de menor eficácia dos trabalhos escolares, nomeadamente pela agitação e mesmo indisciplina na sala de aula: ninguém desperdiça o que reconhece como importante e valioso para o seu futuro. Mas o insucesso precisa de mais medidas do que as que temos hoje. Além do problema da motivação (muito ignorada em Portugal) existe o problema do apoio aos alunos com dificuldades, mal estas se manifestam. Não sendo feito esse apoio atempadamente, passados dois ou três anos a situação torna-se muito difícil de resolver.


7) De que forma é que as novas tecnologias poderão contribuir para um melhor ensino?

Há uma multidão de formas e todos os dias vamos vendo novas formas. O essencial é que não se perca de vista que o objetivo do ensino não é o uso da ferramenta em si (que rapidamente fica obsoleta), mas sim do que se pode fazer com ela. No caso da Matemática as possibilidades de experimentação gráfica (tanto nos gráficos de funções dependentes de parâmetros, como na geometria de figuras elementares que podem ser deformadas tanto quanto se quiser) são tantas que não se percebe como possam ainda existir alunos do Básico ou do Secundário que nunca veem um computador ou uma calculadora gráfica durante grande parte ou mesmo todo o ano!!!


8) Qual a importância que atribui, agora e no futuro, ao manual escolar no ensino?

O manual escolar é o Big Bang da aprendizagem: tudo começa aí. As aulas são uma discussão, uma exploração, uma confrontação de ideias que o manual enforma e só o manual permite que o aluno, leia, releia e reveja as vezes que quiser, à velocidade que quiser, meditando à vontade nos quês e porquês do que lhe aparece em frente. Além do mais, é o manual escolar que cria o prazer da leitura. Quem não quer ler, não quer aprender. Quem não quer ler tem de ser motivado, trabalhado, incentivado, acarinhado, acompanhado, castigado...


9) Na sua perspetiva, como vê o futuro do ensino da Matemática?

O futuro será brilhante se trabalharmos todos para o melhorar. Se não trabalharmos não vale a pena lamentarmo-nos.


10) Como Secretário-Geral da ICMI, quais as resoluções que estão a ser tomadas mundialmente para a Educação em Matemática?

O ICMI tenta melhorar a formação de professores a todos os níveis, a começar com os objectivos do milénio, nomeadamente os do ensino primário universal:Atingir o ensino primário universal significa mais do que o número de matrículas escolares. Engloba, também, educação de qualidade, o que significa que todas as crianças que frequentam a escola devem adquirir as aptidões básicas de alfabetização e de aritmética e completar o ensino primário dentro do tempo previsto.” Sem descurar o apoio à colaboração internacional e ao aprofundamento da investigação em educação matemática. Um dos instrumentos principais são os Estudos ICMI (de que já foram publicados 17) e os congressos ICME (o próximo será em Seul, Coreia do Sul, de 8 a 15 de Julho de 2012). Todos os professores de Matemática em todo o mundo encontram apoio e inspiração em tais atividades.


11) Quais as três medidas que implementaria de imediato, se fosse ministro da Educação?

Isso era complicado: medidas avulsas dificilmente terão sucesso...

Mas posso arriscar vias de trabalho: Definição clara das funções atuais dos professores numa escola, definição clara do grau de autonomia dos professores e das escolas, criação de um sistema praticável e justo de avaliação/responsabilização das escolas. Concentração curricular disciplinar em torno das línguas (portuguesa e um mínimo de duas estrangeiras) e da Matemática. Criação de condições para que as restantes disciplinas funcionem em condições (nunca uma só aula por semana) mas não em todos os anos de escolaridade. Criação de estruturas de remediação a todas as disciplinas desde o 1.º ano de escolaridade. Criação de um instituto de desenvolvimento curricular e um outro de avaliação, assim como a redução da burocracia geral ao mínimo indispensável.


12) Que mensagem/conselho gostaria de deixar aos pais, professores e alunos?

A Matemática é uma ferramenta essencial para qualquer cidadão do século XXI. Estar equipado com a ferramenta “Matemática” é estar em condições de escolher a melhor opção de vida em cada momento; não estar equipado com essa ferramenta é ser “empurrado” para opções de recurso que criarão enormes frustrações.

A Matemática não é nada de transcendente, não está reservada a génios (são obviamente precisos génios em todas as áreas), todos podem aprender a Matemática de uso quotidiano, tal como, por exemplo, ela é definida no estudo PISA da OCDE. Não é uma tarefa fácil, mas é um objetivo alcançável.


 

 

* Jaime Carvalho e Silva é professor associado da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra e secretário-geral da Comissão Internacional da Instrução da Matemática.

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