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Correio da Educação

Correio da Educação

 

1) Como caracteriza o ensino em Portugal nos últimos anos?
Penso que a educação em Portugal se tem caracterizado por uma certa falta de rumo e de pensamento sobre os seus fins. As reformas em educação têm sido, em larga medida, medidas reativas tomadas no decurso de processos que seguem descontroladamente o seu curso. Os sucessivos ministros parecem apenas tentar gerir um automóvel que corre descontroladamente e que já ninguém consegue domar.

2) Que propostas sugeria para melhorar o ensino em geral e o da sua área disciplinar em particular?
Acho que a filosofia desempenha um lugar central numa formação integral e humana. É isso que a sua integração na componente da formação geral dos cursos científico-humanísticos pretende expressar. Mas a filosofia, para além de ser um importante instrumento de pensamento e de argumentação, é também a expressão de uma tradição cultural e histórica de confrontação do humano com os grandes problemas e o mistério do mundo e da sua vida. Penso que o programa de Filosofia poderia ser revisto no sentido de dar um lugar maior à expressão dessa tradição. Por outro lado, a reintrodução do exame de Filosofia, que foi certamente uma boa notícia, também poderá contribuir para rever o programa neste sentido. No caso específico da Filosofia, uma situação que há que resolver – e que não pode ser esquecida – é também a do 12º ano: a disciplina está praticamente morta e a sua situação deveria ser objeto de reflexão.

3) Como é que o funcionamento das escolas pode ser melhorado?
Penso que deve ser tomada uma decisão de fundo no sentido de um ensino com maior exigência, combatendo a tendência para encontrar na infantilização dos jovens e na permissividade uma decorrência inevitável da chamada democratização do ensino. As escolas são hoje certamente lugares de socialização e cumprem hoje um papel que anteriormente não lhes era atribuído. No entanto, são também lugares em que os hábitos de trabalho e de estudo têm de ter um lugar central e não residual. E é igualmente urgente combater a tendência para desresponsabilizar os alunos e para minar a figura do professor como uma figura dotada de autoridade: não partilho da ideia de que a situação atual seja uma fatalidade dos tempos.

4) A profissão de educador parece ser cada vez mais complexa, desgastante, exigente, excessiva… Qual é a sua perspetiva sobre esta questão?
Inserida num ambiente social mais instável, com uma realidade familiar em mudança acelerada, a escola tem hoje funções que tradicionalmente não eram as suas. A complexificação do trabalho do professor faz parte desta realidade em mudança. O professor tem hoje, muitas vezes, de ser mais do que professor. No entanto, o que hoje está em causa é sobretudo que, em todas estas novas exigências, ele também não deve deixar de ser professor. Penso que, hoje, um dos grandes problemas reside no facto de o professor não ser devidamente diferenciado e valorizado na especificidade do trabalho que exerce.

5) Como aperfeiçoar a articulação escola-família e fomentar o envolvimento dos pais na escola?
Os pais têm mecanismos suficientes para o seu envolvimento na escola. Trata-se apenas de dotar tais mecanismos de uma prática consistente.

6) Que medidas se podem tomar para combater a indisciplina e o insucesso escolar?
Combater a tendência para a desresponsabilização dos alunos, e refletir isso no plano institucional. E reforçar, ao mesmo tempo, a autoridade da escola e da figura dos professores e funcionários. Esta autoridade não tem de ser imposta, mas é necessário criar na escola um clima que propicie o seu reconhecimento como algo natural.

7) De que forma é que as novas tecnologias poderão contribuir para um melhor ensino?
As novas tecnologias devem ter na escola um carácter instrumental. Um iPad pode substituir um livro, mas não torna a leitura e os hábitos de estudo algo obsoleto ou dispensável. Por outro lado, há tecnologias cujo uso pode ser nocivo em determinadas circunstâncias: veja-se todas as reservas por parte de especialistas relativamente à introdução de computadores nas aulas de alunos demasiado jovens, no que diz respeito ao cultivo da memorização ou da focalização da atenção, por exemplo. Acho que há hoje uma tendência, que deve ser combatida, para trocar o essencial pelo acidental, deslumbrando-se com métodos e técnicas que são por vezes adoptadas como se substituíssem a aprendizagem, o esforço e o estudo.

8) Qual a importância que atribui, agora e no futuro, ao manual escolar no ensino?
É um instrumento que assume importância variável. Mas é um instrumento que carece de uma supervisão e de um filtro crítico. O projecto de supervisão científica dos manuais escolares está, por enquanto, parado, e deveria ser importante ativá-lo. No caso da Filosofia, a colaboração do ensino superior nessa supervisão científica seria muito bem-vinda.

9) Na sua perspetiva, como vê o futuro do ensino da sua área disciplinar?
O 12º ano, na prática, está quase desaparecido, tendo em conta a situação curricular como disciplina anual de opção. O seu estatuto tem de ser repensado. No caso da filosofia em geral, nomeadamente como componente da formação geral, penso que se reconhece a sua importância no currículo. O que não invalida que as metas de aprendizagem em Filosofia e o programa tenham de ser pensados com tempo e maturidade, não ficando dependentes de decisões avulsas e pontuais.

10) Como presidente de uma associação de professores, quais as resoluções que estão a ser tomadas noutros países para fomentar o ensino da sua área disciplinar que poderiam ser aplicadas em Portugal?
A filosofia tem em Portugal um papel de formação geral, simultaneamente humana e cívica. Creio que esse papel é reconhecido noutros países, mesmo naqueles em que matérias filosóficas são abordadas em disciplinas com perfil diferente: os casos, por exemplo, da História das Ideias ou da Educação Cívica. Em Portugal, eventualmente, o alargamento da disciplina para três anos, por exemplo, articulando os programas do 10.º-11.º anos com o 12.º, e a revisão cuidada do programa em função dessa alteração, seria uma medida interessante.

11) Quais as três medidas que implementaria de imediato, se fosse ministro da Educação?
1.º) Reveria a legislação no sentido do reforço da autoridade dos professores na escola e de desfazer o clima e os sentimentos de impunidade. 2.º) Iniciaria um processo de revisão da formação inicial de professores, no sentido de reforçar a componente científica e didática desses cursos e de rever o peso da formação pedagógica, que me parece exagerado em relação àquela. 3.º) Implementaria, sem pressas, um grupo de estudo destinado a pensar o currículo na sua lógica e coerência, pensando-o maduramente e sem a urgência de tomar medidas avulsas.

12) Que mensagem/conselho gostaria de deixar aos pais, professores e alunos?
Uma mensagem de preocupação, mas também de incentivo. A mensagem de que a educação é talvez o domínio onde é mais grave o deslumbramento com o acidental, e a troca deste pelo essencial, de que falei há pouco.


 

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