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Correio da Educação

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Mudança geracional de professores

 

1. A imprensa da semana de 12 a 17 de Outubro trouxe os rankings das escolas, a partir dos resultados finais dos alunos dos ensinos, básico e secundário, no final do último ano lectivo.

Dois jornais de referência, Público e Expresso, dedicaram ao tema um suplemento, que, no caso do primeiro, chegou às cinquenta e quatro páginas. Em ambos, abundavam os artigos e opiniões sobre os mais diversos aspectos de tão complexa matéria.

 Dizia o director do Público: “Nunca nos limitámos à publicação seca dos rankings, sempre procurámos razões para o sucesso ou insucesso […]” (Público, 17 de Outubro de 2009, Ranking: 3). E continua: “recolhemos informação que possa ser útil para as escolas, os professores e as famílias.” 

Registe-se ainda: “De uma forma geral, nenhum responsável, mesmo os das escolas que subiram várias posições nega que o sistema que o ministério quis impor teve um efeito negativo. Nuns casos levou ao êxodo de muitos dos melhores professores [s.n.]. Noutros, a sobrecarga de burocracia só não levou a piores resultados porque houve um grande esforço das escolas e dos professores.”

 Quanto a resultados, a directora da Escola Secundária Bocage, em Setúbal, Maria José Miguel, afirma que “em duas décadas não houve um ano lectivo pior do que o de 2008/2009” (Bárbara Wong e Clara Viana, pág. 4).

Rosário Gama, directora da Escola Infanta D. Maria, em Coimbra, fala em “desastre anunciado”, pois “Isto ainda não é nada”. E informa que a queda na Infanta D. Maria “é resultado da instabilidade que empurrou para fora do sistema milhares de professores experientes” [s.n.] que optaram pela reforma antecipada em reacção ao ECD e ao modelo de avaliação.

Em resultado disso, informa o Público, no ano lectivo que agora começou, “42 dos 100 professores da escola são novos” [s.n.], insistindo a directora: “O sistema perdeu de forma artificial e prematura os professores mais experientes e isso vai reflectir-se na qualidade do ensino.”

Também o director da Escola Secundária com 3.º Ciclo Dr. Mário Sacramento, de Aveiro, Mário Labrador, confirma a instabilidade, “num tempo ‘muito alvoroçado’”, mas informa ter a sua escola ficado pela primeira vez entre as 20 melhores classificadas do ensino básico.

E refere, sublinhando a entrega dos professores: “Os nossos alunos tiveram bons resultados num contexto pouco favorável. Apesar de uma política educativa que mudou muitas regras, ninguém na escola cruzou os braços [s.n.].”(ibidem).

 

2. É um facto: há professores experientes e dos melhores que se vão, abandonando a carreira. Há novos professores a chegarem às escolas. No caso da Infanta D. Maria, em Coimbra, essa renovação, só no último ano, atingiu 40% do corpo docente.

Que geração é essa que parte? A geração que chegou com a liberdade, na década de 70. Alguns terão feito mesmo o Exame de Estado. Assinado a famigerada declaração de não atentarem, na sua carreira, contra o Estado, cuja recusa levou Agostinho da Silva nos anos 30 para fora do funcionalismo público. A geração das velhas [disciplinas] pedagógicas, introduzidas pela reforma das Faculdades de Letras e Ciências nos anos 50. A geração que se fez professor no terreno. A geração de professores, professores, como diria Garrett.

Vai magoada esta geração. Talvez nem seja, sobretudo, com a Ministra ou as medidas que ela tomou. Talvez estas realidades sejam a face visível de outras mais profundas. A primeira delas talvez seja ver desaparecer, no século XXI, a escola em que gastou as suas melhores energias. É que a escola mudou: com estas, com outras ou sem medidas nenhumas! E dói ver desaparecer uma realidade em cuja construção nos gastámos.

Mas vai realizada, esta geração. Talvez a geração que chega não tenha a oportunidade de se identificar, de forma tão gratificante, na escola que vai ter ao longo da carreira. Nas últimas quatro décadas, a escola portuguesa mudou. Provavelmente, mais do que a própria sociedade. E mudou para muito melhor, sem que estes professores, “experientes” e “dos melhores”, disso se dessem conta! Demasiado embrenhados no compromisso, no projecto, nas gerações de alunos que formaram.

 

3. Estão de parabéns! E estar-lhe-ão agradecidos muitos dos homens e mulheres bons deste país. A antecipação da reforma com as penalizações, económica e psicológica, revelará, porventura, ainda, a entrega a um ideal de mestre que os norteou e ao qual, apegados, quiseram partir.

Vítimas deles próprios? Apresentemos a entrega, como referência, à nova geração, a chegar.

 

J. Esteves Rei - Professor Catedrático de Didáctica das Línguas e de Comunicação, na UTAD, Vila Real.

 

 

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