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Correio da Educação

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             Há muitos anos atrás, no início do século passado, os pobres já existiam, distinguindo-se das outras pessoas porque andavam descalços, cobertos com roupas andrajosas, sujos e estendiam a mão à caridade de quem passava.

Lembro-me dos meus tempos de criança que havia alguns pobres que tinham casas certas, na cidade do Porto, onde iam em determinados dias da semana para receberem a sua esmola. Esta consistia num valor em dinheiro, acrescido muitas vezes de um pão com qualquer coisa dentro e uma malga de sopa e, em certas ocasiões, levavam também alguma roupa que já não servia à família. Talvez estes fossem os chamados “pobres envergonhados”.
Os anos foram correndo como rio a caminho da foz, as leis foram sendo alteradas e os pobres passaram a pagar multa por andarem descalços, pagavam 25 tostões. A polícia perseguia-os. Era a verdadeira caça à multa! Coitados, eles que nem dinheiro tinham para comer…
Hoje, vivemos no século XXI e os pobres continuam a existir. Penso que pululam nas cidades, em Portugal e no estrangeiro. A sua habitação é um caixote de papelão ou o vão de uma porta duma cadeia de lojas de marca, um banco de jardim… As estrelas servem-lhes de édredon. A única diferença é que os pobres actuais não andam descalços.
Face a este problema a União Europeia decidiu dedicar o ano de 2010 ao combate à pobreza e exclusão social. Para isso disponibiliza 17 milhões de euros com o objectivo de levar os países a comprometerem-se na luta contra a pobreza e a marginalização, esperando alcançar quatro objectivos:
·Que os pobres e excluídos vivam com dignidade e participem activamente na sociedade;
·Que os cidadãos se envolvam nesta luta e façam alguma coisa que contribua para acabar com a pobreza;
·Que a sociedade se torne mais coesa;
·Que haja um esforço contínuo a todos os níveis da governação.
 
Ora, para que isto venha a dar frutos, é preciso, é urgente uma mudança de atitudes e muita vontade política. Será que algum dia, em 2010, passaremos a ver os bancos de jardim só com pessoas a fruir a beleza do ambiente? Será que algum dia, o fosso entre pobres e ricos se desvanecerá? Será que algum dia, os pobres deixarão de ser excluídos da sociedade, passando a ter aí também um papel activo? Algum dia o mundo será diferente????
“ O sonho comanda a vida”, diz o poeta. Se cada um de nós for mais humano, talvez se consigam esfumar as diferenças, mas acredito que, na situação actual, isso é dificílimo.
A finalizar e, a propósito, deixo para reflexão a actualidade de Eça de Queirós num extracto de “Uma Campanha Alegre das Farpas”.
 
“Junho 1871.
Leitor de bom senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi escrito – se tens bom senso! E a ideia de te dar assim todos os meses, enquanto quiseres, cem páginas irónicas, alegres e justas, nasceu no dia em que pudemos descobrir, através da ilusão das aparências, algumas realidades do nosso tempo.
Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. (…)

A população dos campos, arruinada, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de ervas, trabalhando só para o imposto por meio de uma agricultura decadente, leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o silêncio da opinião, com padre-nossos maquinais.”
 

 

Marta Oliveira Santos – Licenciatura em Filologia Românica; colaboradora de várias publicações.

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