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Correio da Educação

Correio da Educação

Lisboa, ??/?? /1821 - Lisboa 20/01/1890

 

Filha de "pais humildes e laboriosos", segundo os seus próprios apontamentos autobiográficos, inicia-se em 1835 no jornalismo e na poesia com um soneto no periódico político da oposição, Guarda Avançada. Colabora em vários jornais e revistas, sob o pseudónimo de "A Portuguesa Liberal". É autora de artigos de crítica aberta ao governo, nos quais afirma as suas convicções liberais. Na sequência de uma mudança de orientação política, passa a escrever, desde 1841, na Revolução de Setembro, no Patriota, no Bejense, no Diário de Notícias e no Jornal do Povo. Por carta régia de 31 de Agosto de 1847, é nomeada professora da escola pública das Mercês para o sexo feminino, mas já anteriormente leccionava no ensino particular. Acompanha o 1.º visconde de Castilho na sua campanha de instrução. Entre Fevereiro de 1862 e Maio de 1863, rege gratuitamente a aula nocturna criada pelo Grémio Popular, denominada de Escola de D. Pedro V, facto que contribui para receber um louvor do Governo.

D. António da Costa, o primeiro-ministro da Instrução Pública em Portugal, considera-a "modelo e glória das professoras portuguesas" e utiliza o seu exemplo para demonstrar que a mulher é a educadora por excelência. A este propósito, cita em A Instrução Nacional palavras escritas por Maria José Canuto: "Na minha escola oficial leccionei rapazes, e alguns de índole feroz; eram cordeiros na minha presença durante a aula, a ponto de se deliberar um deles que andava de rixa com outro a entregar-me uma choupa que trazia escondida; quando a veio buscar deu-me um livro de orações em penhor de que não usaria do ferro homicida. Já se vê, pois, que o sexo masculino não só respeita as professoras, mas que lhes imita os instintos meigos e humanitários" (1870, p. 219).

 

Discípula de António Feliciano de Castilho, considera que o seu método de ensino da leitura ("método português") "irradiou a luz da redenção nas escolas populares" (Instrução e Educação, s/d, pp. 2-3). Opõe-se "enérgica e decididamente" ao sistema de co-educação porque há grandíssima diferença nas ocupações, nas tendências, e mesmo no desenvolvimento das faculdades intelectuais dos dois sexos: "A inteligência nas meninas é mais precoce; os rapazes não fariam senão estorvar-nos os trabalhos escolares, e obrigar-nos a uma vigilância policial, impossível em escolas numerosas, regidas por uma só professora" (s/d, p. 3). Defende que "a crença religiosa deve presidir aos cuidados da educação" e que esta deve começar logo que se manifestem os primeiros sinais de inteligência na criança e acredita que "nenhuma criança é má, quando nasce; a alma que vem do grande Espírito que anima o universo é pura, transparente e brilhante como a mais fina prata!" (s/d, pp. 4-5).

 

Sustenta que se deve "implantar nos ternos corações dos seus discípulos o gérmen de todas as virtudes evangélicas, a pureza dos costumes, o amor para com os seus semelhantes, a caridade para com os seus criados, a fé no trabalho", considerando que a missão dos professores, "semeadores da parábola de Cristo", é muito difícil pois têm de lutar continuamente "entre os ditames da boa educação e a turbulenta e viciosa relutância das crianças do povo", "entre o dialecto da escola e o dialecto familiar das crianças populares", disputando a sua influência sobre as crianças com a das mães que é sempre superior. Em artigo escrito na revista Froebel deixa palavras de louvor a este pedagogo: "Froebel! Salvé, divino mensageiro de paz e de sorrisos cândidos! A tua imagem avulta-nos coroada com uma auréola de luz suavíssima! Em torno de ti revelam-se turmas de mulheres e de crianças, exaltando o teu nome, com suas vozes argentinas, em cânticos de amor, que ressoam por toda a Europa, que se prolongam até à América; e que... só tarde, muito tarde, chegam a Portugal!" (n.º 1, 1882).

 

Na secção de "Economia Doméstica" que regularmente assina na Gazeta Pedagógica, Maria José Canuto ocupa-se dos deveres da esposa, da senhora, da mãe, da criada, da aia de crianças e da enfermeira. Sublinha que "a área dos deveres de uma dona de casa é bem extensa" e que "devia fazer parte de um curso de educação nas escolas femininas" e defende que "o primeiro dever da mãe é não entregar a aleitação de seus filhos a mãos estranhas, se ela pode cumprir esse doce encargo" (Gazeta Pedagógica, n.º 7, 1869, p. 134). Considera ainda que as raparigas que se destinam a criadas devem começar de muito novas a sua educação, chamando a atenção para a importância do papel educativo das aias de crianças: "A aia deve ser a primeira mestra das crianças; quem melhor do que ela, com o seu sorriso habitual, pode ensinar à infância as primeiras orações do cristão? Brincando, pode iniciá-las no conhecimento dos caracteres alfabéticos; na composição de palavras fáceis; nas primeiras noções de civilidade prática, etc." (Gazeta Pedagógica, n.º 11, 1869, p. 223).

 

Adolfo Lima publica na Enciclopédia Pedagógica Progredior uma interessante notícia biográfica sobre Maria José Canuto, contando vários episódios da sua vida profissional e pessoal: "Apaixonada pela instrução popular, deu-lhe todo o seu entusiasmo, toda a sua boa e enérgica vontade, todo o seu saber e amor profissional, nunca se escusando a sacrifícios, se para ela eram sacrifícios entregar-se, exclusivamente, à obra da educação do povo. [...] Aos 78 anos, já mal podendo mover-se, ainda ela contemplava, tristemente nostálgica de um passado e de uma profissão que não voltam. [...] Pois esta benemérita da Instrução portuguesa, que fez da sua Escola uma da primeiras de Lisboa, teria morrido de fome, se não fora Rosa Araújo, que conseguiu que o Município de Lisboa lhe estabelecesse um subsídio" (1936, p. 753-754). Também Martins Contreiras, em artigo na Revista Pedagógica, deixa palavras de muito apreço pelo trabalho escolar de Maria José Canuto: "O modo mútuo estava sempre em plena execução. Por isso se via em toda a casa: aqui um grupo de crianças lendo a cartilha, ali um outro escrevendo; acolá estava uma classe de exames; mais além um curso de raparigas que se preparavam para professoras, ou estudavam alguma das matérias do liceu. Era uma escola elementar, complementar, secundária e normal, ao mesmo tempo" (1905, p. 504).

 

O percurso de Maria José Canuto é muito interessante, pois situa-se num período de desenvolvimento do ensino, nomeadamente do ensino do sexo feminino, com uma afirmação cada vez maior das mulheres no espaço escolar. No último quartel do século XIX, o ensino normal para o sexo feminino conhece uma expansão sem precedentes, no quadro de uma progressiva feminização do corpo docente. Paralelamente, assiste-se ao surgimento de uma literatura de divulgação cultural e científica, com marcadas preocupações sociais, que se dirige primordialmente às mulheres, em especial no sentido da sua formação como mães e como educadoras. É na confluência destes dois movimentos, o primeiro interior ao sistema de ensino, o segundo abrangendo o conjunto da sociedade, que a acção de Maria José Canuto ganha toda a sua dimensão social e pedagógica. Ela representa, no século XIX, uma das primeiras vozes femininas que se afirma no espaço da educação.

«CANUTO, Maria José da Silva», Cláudia Castelo, in António Nóvoa, Dicionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições Asa, 2003: 264 - 265, com adaptações.