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Correio da Educação

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* Carla Marques

 

 

Os novos Programas de Português do Ensino Básico que entrarão em vigor no ano letivo de 2011/2012, nos três ciclos do Ensino Básico, trazem um conjunto de novidades que implicam grandes mudanças na forma como a escola se relaciona com os curricula.

 

Entre estas alterações, teremos de salientar o novo papel que é atribuído ao professor de Português. Este passa a ser o principal responsável pelo desenvolvimento curricular da disciplina que leciona. A descentralização parcial do centro de decisões curriculares para a figura do professor sinaliza, a meu ver, duas mudanças de grande importância: a reiteração, por um lado, da importância da autonomia do professor enquanto gestor de conteúdos programáticos e, por outro, o reconhecimento da heterogeneidade que caracteriza o mapa escolar português, que engloba no seu seio alunos com necessidades, saberes e perfis muito específicos e distintos.

 

 

A situação que os novos Programas configuram resulta, assim, de uma partilha de responsabilidades entre o Ministério da Educação e cada escola. Neste contexto, ao Ministério coube a definição de um conjunto de competências às quais associou um núcleo de conteúdos, distribuídos pelos três ciclos do Ensino Básico. Definiu ainda o Ministério um conjunto de metas que funcionam como marcos orientadores das práticas a desenvolver, pois estas encontram-se formuladas no sentido de definir o perfil esperado do aluno no final de cada ciclo. Nesta nova conceção organizacional que subjaz aos Programas, o conceito de anuidade, enquanto definição de um conjunto de conteúdos a serem abordados em cada ano escolar, é deixado de lado. Caberá a cada professor, a cada grupo disciplinar, a cada escola definir o percurso que entende adequado para os seus alunos, em função das suas características particulares.

 

A filosofia que enquadra os novos programas atribui, deste modo, uma responsabilidade aguda ao professor de Português. Este, para poder selecionar os conteúdos a desenvolver por competência em cada ano escolar, terá de ter em consideração um conjunto de elementos sensíveis: as metas e os conteúdos programáticos relativos ao ciclo anterior (ou aos ciclos anteriores), o perfil dos alunos em termos de saber e de saber-fazer e o tipo de progressão que pretende implementar em função da realidade em que se operacionaliza o currículo. Destas necessidades advém uma evidência: a planificação não poderá ser um elemento estático, mas antes dinâmico, em constante atualização e reformulação. Esta realidade não implica, como se refere no próprio Programa, que a gestão dos conteúdos passe a ser uma atividade completamente aleatória (p.9), exige antes que se contemplem as realidades objetivas da sala de aula, no sentido de conduzir os alunos às metas esperadas.

 

Como em qualquer outra opção de gestão curricular, aquela que os Programas definiram compreende zonas problemáticas que o professor terá de gerir, de forma a minimizar alguns efeitos adversos. Com particular evidência coloca-se a situação de alunos que são transferidos de escola. Numa escola distinta, os alunos deparar-se-ão com uma realidade curricular também ela distinta, cujas opções poderão ficar distantes daquelas que conheceu na escola de origem. Esta situação obrigará o professor a um esforço suplementar no sentido de enquadrar o novo aluno no sistema de progressão que concebeu. Num sistema onde o ensino individualizado se reveste de grandes dificuldades, esta condição poderá funcionar como um fator perturbador das atividades letivas.

 

Elemento sensível neste novo contexto será também a seleção do manual escolar de Português, na medida em que o grupo disciplinar terá de avaliar se o manual escolhido se ajusta ao tipo de anualização que se pretende implementar e se promove um conjunto de percursos processuais que se adequem ao desenvolvimento das competências visadas pelos Programas.

 

Por outro lado, o facto de ao professor pertencer a responsabilidade pela anualização dos conteúdos programáticos vai exigir que os docentes, em início de ciclo, pensem a distribuição de conteúdos ao longo de todo o ciclo, de modo a que se evitem as repetições, que os Programasconsideram desnecessárias e pouco vantajosas para o desenvolvimento da aprendizagem, e de forma a favorecer a progressão das aprendizagens dos alunos. Este fator exige também que se considere o retorno a diferentes conteúdos, sempre numa perspetiva de progressão e de aprofundamento. Tal realidade implica, ainda, que a planificação não seja um ato isolado, levado a cabo por um só professor. Terá de ser todo o grupo disciplinar a pensar a gestão dos conteúdos, a delineá-la e a assumi-la, para que a escola possa construir em uníssono a evolução dos seus alunos, sem desprezar, todavia, as especificidades que cada turma/grupo de alunos poderá exigir.

Em síntese, estamos perante novos Programas de Português para o Ensino Básico repletos de exigências para o professor, no que respeita tanto ao plano da atualização científico-pedagógica, como ao da autonomia na gestão curricular, ou ainda ao da capacidade de trabalho em parceria com os colegas de uma mesma escola. Este será com certeza um bom mote para implementar as mudanças de que o ensino do Português necessita.

 

 

 

Carla Marques - Mestre em Linguística e doutoranda na mesma área; autora de várias publicações de carácter didático e de caráter linguístico: docente na Escola Secundária/3 de Carregal do Sal.

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