Considerações Prosaicas Sobre um Estatuto de Sucesso
“-Mon ami, lui dit l’orateur, croyez-vous que le pape soit l’Antéchrist
-Je ne l’avais pas encore entendu dire, répondit Candide; mais qu’il le soit ou qu’il ne le soit pas, je manque de pain.»
(Voltaire)
O Estatuto do Aluno, segundo um estudo efectuado pelo Ministério da Educação, tem levado a um decréscimo no número de faltas, justificadas e injustificadas, quer no 3º ciclo do ensino básico, quer no ensino secundário. Tal anúncio, que demonstraria a eficácia do Estatuto em vigor desde Janeiro de 2008, tem colhido algumas reacções adversas, como noticiou, recentemente, a comunicação social.
Efectivamente, o que é que se pretende: que os alunos estejam nas salas de aula ou, simplesmente, que não estejam?
Em primeiro lugar, remete para o professor a decisão de marcar falta ao aluno que é excluído da sala de aula por comportamentos perturbadores. Muito prosaicamente: “marco-lhe falta, porque se está a portar mal, e o castigo, quem o apanha, sou eu que tenho de fazer uma matriz, elaborar um plano de apoio, se for caso disso, para implementar não sei como e se ele aparecer; ou não marco falta?” Responda quem souber! Eu não sei. O que sei é que esta medida se pode tornar perversa, levando não só à não marcação de qualquer falta, como também ao aumento da indisciplina dentro da sala de aula.
Em segundo lugar, e porque o dever de assiduidade acarreta não só a presença na sala de aula, mas também “uma atitude de empenho intelectual e comportamento adequados”, pressupõe-se, e remete-se para o Regulamento Interno das Escolas, que deverá acautelar procedimentos relativos à marcação de faltas de material. E voltamos ao mesmo prosaico problema: “marco-lhe falta de material, tenho de comunicar, por escrito, ao Director de Turma que, por sua vez, tem de comunicar ao Encarregado de Educação e, no final, por estas e pelas anteriores, quem apanha o castigo sou eu, matriz, prova de recuperação, estão a ver, não estão; ou, então, não marco falta de material?” Responda quem souber! Eu não sei. O que sei é que este Estatuto, com a dita prova de recuperação (art.º 22), no que às faltas de material concerne, gera situações perversas de promoção da presença do aluno na sala de aula sem o material indispensável.
Em terceiro lugar, como é tratada, agora, com este Estatuto, a pontualidade? Qual a exigência, qual o minuto a partir do qual o aluno tem falta de presença por chegar atrasado à aula? Qual a justificação aceitável ou não para o atraso? É altura de, prosaicamente, questionarmos: “Então, marco-lhe falta por ele chegar atrasado e quem apanha o castigo sou eu que… matriz, prova de recuperação… Ou, então, não marco falta?” Responda quem souber! Eu não sei. O que sei é que esta medida não fomenta a pontualidade nem a exigência no cumprimento de regras, atirando, tal como temos vindo a dizer, com o odioso da questão para cima do professor.
Por fim, este Estatuto, ao considerar a aplicação de medidas correctivas – que sempre se destinaram a sancionar atitudes perturbadoras do normal decurso das actividades lectivas ou do correcto relacionamento entre elementos da comunidade escolar – como primeiro passo para a resolução da falta de assiduidade, não só desvirtua e camufla a gravidade de reais situações de indisciplina, (das quais, aliás, seria bom haver estudos que mostrassem as consequências da aplicação deste estatuto…) como cria mecanismos pesadamente burocráticos que não resolvem o problema da assiduidade, antes o escondem, como anteriormente demonstrámos. Em nome de uma prova de recuperação. Em nome de um pretenso sucesso.
Parafraseando a epígrafe, crê que a prova de recuperação implementa uma necessária e efectiva assiduidade dos alunos? Nunca tal ouvimos dizer! Seja como for, o que interessa é a estatística, o pão-nosso destes dias.
J. P. Campos da Fonseca – Licenciatura em Português e Francês; Mestre em Ensino da Língua e da Literatura.