Filho do médico Julião Rebelo e de Teresa Gil, baptizado Pedro Julião, foi filósofo, matemático, teólogo, médico e, por fim, papa João XXI. Fez os seus estudos iniciais na escola da catedral lisboeta, seguindo depois para Paris muito jovem, frequentando a Faculdade das Artes parisiense e tomando contacto com as novas correntes da Escolástica. Outros historiadores sugerem que a formação inicial de Pedro Julião terá também passado pela Universidade de Montpellier, onde estudou Medicina e Teologia, dedicando especial atenção a palestras sobre dialéctica, lógica e sobretudo a física e a metafísica de Aristóteles. Conforme a interpretação de alguns manuscritos, poderá ter estado também em Salerno ou na Sicília, onde prosseguiu os estudos médicos. Em breve, a sua fama ecoava pelos círculos da Santa Sé, levando a que o papa Gregório X o chamasse para se tornar seu médico privado. Mais tarde, nomeou-o cardeal-bispo de Túsculo.
Sabe-se que foi professor de Medicina na Universidade de Siena, entre 1245 e 1250, onde escreveu algumas obras principais, de entre as quais se destacam as Summulae logicales, o manual de referência sobre lógica aristotélica durante mais de trezentos anos nas universidades europeias. Tendo aderido à filosofia escolástica, Pedro Julião teria sido o primeiro comentador português da obra De animalibus, de Aristóteles.
Em 1272, Pedro Julião foi nomeado arcebispo da secular cidade de Braga e de toda a sua área de influência, sucedendo a D. Martinho Geraldes. Após a morte do papa Adriano V a 18 de Agosto de 1276, Pedro Hispano foi eleito papa no conclave de 13 de Setembro, sendo coroado no dia 20 de Setembro de 1276, com o nome de João XXI. Enquanto sumo pontífice tentou fazer reintegrar os cristãos dissidentes do Oriente na Igreja Romana.
Foi, igualmente, um diplomata activo, mediando os conflitos entre Filipe de França e Afonso de Castela, e procurou solucionar os litígios entre o português D. Afonso III e a Santa Sé. Mandou o bispo de Paris fazer uma inquirição sobre as eventuais «doutrinas erróneas» que se difundiam na Universidade local, na sequência da qual Estêvão Tempier fez abusivamente, em 1277, a célebre condenação de duzentas e dezanove proposições.
João XXI faleceu a 20 de Maio de 1277, após ter ficado gravemente ferido num desastre na Catedral de Viterbo, cujas obras acompanhava, não sobrevivendo aos ferimentos sofridos na derrocada dos aposentos em que se encontrava. Ficou por dizer, pois, a sua última palavra sobre os acontecimentos parisienses. O prelado jaz ali sepultado, junto de outras figuras eclesiásticas, até aos dias de hoje.
Pedro Hispano foi considerado por alguns vultos do seu tempo e posteriores, como clericus universalis, magnus in scientia, dado que foi um homem formado em todos os ramos do saber reconhecidos na época. Houve mesmo quem o classificasse scientiae phisicali et naturali repletus ejá no século XIV, chamaram-lhe «egrégio varão das letras» e «grande filósofo».
A doutrina filosófica de Pedro Hispano situa-se dentro do quadro mental da época. Estudou e discutiu os textos de Aristóteles e seus comentadores árabes, englobando as tendências doutrinais de Avicena e de Santo Agostinho, os diferentes conceitos de alma e substância, entre os muitos quesitos aristotélicos. A Pedro Hispano é atribuído o tratado Summulae logicales, que tanta repercussão teve entre os eruditos, não só na sua época, mas, e principalmente, mais tarde. Esta obra de lógica medieval circulou por toda a Europa, em talvez mais de duzentas e cinquenta edições, reduzidas nas diferentes línguas europeias, e tornou-se, na maior parte das universidades, um livro indispensável até ao século XVI. Com esta obra Pedro Hispano tornou-se o «pedagogo da Europa».
Não estando em causa a estatura cultural do papa João XXI, o facto é que investigações mais recentes levantam dúvidas pertinentes sobre a real autoria de alguns textos. Os estudos recentes de José Francisco Meirinhos, da Faculdade de Letras do Porto, e de Angel D'Ors, da Universidade Complutense de Madrid, sustentam que os livros que até aqui lhe têm sido atribuídos devem ser distribuídos por três ou mais autores, duvidando os mesmos investigadores que o papa João XXI tenha sido professor de Medicina.
Os referidos especialistas referem que, naquela época, a Hispânia se identificava com a Península Ibérica, o que significa que todos os Pedros nela nascidos seriam «Petrus Hispanus». Pouco a pouco foi-lhe sendo atribuída a autoria de todos os livros assinados por Pedro Hispano, o que representava muitas dezenas de livros das mais variadas disciplinas: filosofia, lógica, medicina, psicologia, etc.
Muito controversa tem sido também a identificação da autoria da primeira obra Scientia libri de anima, dado que em nenhum inventário medieval havia qualquer indicação desse tratado, escrito por Pedro Hispano. O alemão Grabmman, estudioso do filósofo português, encontrou em Madrid uma cópia dos fins do século XIII que comprovaria a sua teoria, baseado na forma expositiva adoptada, a doutrina e concepção dos princípios expostos e, até, asua interligação com a ciência natural e a medicina dos antigos e dos Árabes. Para o referido especialista não restaram dúvidas quanto à autoria do português. São treze tratados, estudando sistematicamente as matérias da psicologia empírica e da metafísica tal como era entendida no seu tempo. Seria, aliás, como cientista habituado à observação médica que o filósofo português concebe a sua doutrina da alma humana, penetrando nos seus mistérios, referindo conceitos e princípios, aprendidos na filosofia árabe. Os seus tratados e comentários sobre o problema da alma congregam todo um repositório do saber medieval sobre a constituição anímica do homem, abrindo pistas sobre o âmbito da pesquisa filosófica, que, no seu entender, abrange o conjunto das coisas criadas.
Como se disse, Pedro Hispano projecta-se para além das reflexões teológicas e filosóficas, surgindo associado a outros eventuais escritos de psicologia e metafísica, teologia e medicina. Nesta última especialidade, por exemplo, Pedro Hispano deixou uma importante herança, dado que exerceu esta arte com autoridade e baseada nos conhecimentos adquiridos na Sicília ou em Salerno.
Grande parte desses textos continua inédita e a aguardar uma identificação aturada, embora alguns deles sejam apenas simples comentários aos autores antigos, especialmente Galeno e Hipócrates. Tanto o Thesaurus pauperum, obra que conheceu mais de oitenta edições em várias línguas, como o Regimine sanitatis, que lhe vem apenso,são tratados de medicina popular, com conselhos e preceitos sobre as melhores dietas a seguir para conservar a saúde. Na primeira das obras, o médico revela medicamentos a serem administrados aos pobres seguindo as doutrinas de Galeno e dos autores clássicos gregos, romanos e árabes. Nesse livro, menciona o tratamento de algumas situações urológicas, entre elas o tenesmo, a estrangúria e a inchação dos testículos. Outros livros, remetidos para o núcleo das autorias ambíguas, são igualmente o Breviarium de aegritudine oculorum, o Liber de conservanda sanitate e outros regimentos de sanidade.