* Inês Silva
Lembro-me de há uns quinze anos uma turma queixar-se de uma professora de matemática. Diziam os alunos que ela permanentemente se fixava na janela e se esquecia deles. Eu, como diretora de turma, teria de resolver o problema. Mas ela estava deprimida e assustada, não com a crise dos tempos de hoje, claro, mas com outra, para a qual não encontrava solução. E eu também não sabia como ajudar. Os alunos não compreendiam. Para eles, ela era medíocre. E eu, que não resolvia o caso, também. “Não se brinca com um 11.º ano”, diziam. “Eu quero entrar em medicina”, acrescentava um. “E eu preciso de boa nota a matemática, que é a específica”, acrescentava outro. “Façam os exercícios do manual que ela vai pedindo”, dizia eu, sem mais inteligência. Mas face a esta sugestão, contaram-me logo a história do dia anterior: depois de terem entrado na aula, a professora pediu-lhes que fizessem os exercícios de uma determinada página e logo fixou o olhar na janela, no Outro lado que, decerto, apaziguava tudo aquilo que a emudecia. Passados minutos, um dos alunos perguntou-lhe:
- Afinal, qual é a página, stôra?
- Ah? Ah, sim… é… é uma qualquer.
Para ela, qualquer página servia. Mas para eles não. Porém, apesar desta adversidade, os alunos lá foram caminhando até ao fim do ano e até ao fim de muitos outros anos, com a determinação que não encontraram na professora. Contudo, hoje, já médicos, engenheiros, veterinários, também olham pela janela à procura do Outro lado, o lado que alivia as tensões maiores. E agora percebem a resposta da professora. Em certos momentos da vida, qualquer página serve para a nossa história. A falta de perspetiva de futuro a isso leva.
* Doutora em Linguística (Sociolinguística). Professora Adjunta convidada na Escola Superior de Educação de Santarém. Tem realizado estudos sobre a escrita dos alunos. É autora de várias publicações de caráter didático e de caráter linguístico. Na ficção, publicou o romance: A Casa das Heras.