Apoio à Família
* Rosa Duarte
Fazer da família um suporte real do indivíduo, que é um ser em permanente construção, tem sido objeto de estudo do projeto artístico em geral. Quantos letrados recorrem à palavra para revisitar histórias de família, como por exemplo aquela do viúvo preparado para a viagem que o levará até à sua senhora, crente na união perpétua (Valter Hugo Mãe, O Filho de Mil Homens, capítulo 5)? Quantos realizadores de cinema recorrem à representação para retratar a inédita beleza de cada amor filial (Pedro Almodóvar, Tudo sobre a minha mãe)?
Criar é também exprimir o desejo do outro num discurso artístico que alguns gostariam de fazer, mas não o fazem. Porque (ainda) não sabem. Porque é uma vontade que exige um trabalho árduo. Vontade não apenas de se imaginar a fazer, mas de fazê-lo de facto, num trabalho persistente e continuado, como o enlace do instrumentista no seu instrumento, várias horas por dia a tocar a mesma composição musical. Enid Blyton dizia que ser escritora era sentar-se e escrever. Não partilhava da crença na bênção do escritor pela musa inspiradora para iniciar a sua obra. É uma atitude interessante pela intenção desmistificadora e despretensiosa que constitui um convite espontâneo à criação e às inevitáveis reflexões sobre o ato criador, por aspirantes e pelos veteranos nestas lides criativas.
Há muitos anos, num projeto escolar, numa turma de ensino básico (currículos alternativos), em que as palavras eram sentidas pela arte habitualmente presente, ricas na sua diversidade cultural e no convívio assíduo, foi organizada uma semana cultural que deu conta à comunidade do muito que cada um tinha para contar sobre os seus costumes e expressões artísticas afroeuropeias, da qual os registos ainda comovem.
Neste ano, os alunos de uma turma de CEF de Apoio à Família apelam-me às memórias pelo seu perfil de caminhos distintos, sem sobras afetivas, que são tão emergentes neste período da sua juventude. Fazem-me pensar que precisam de se dar a conhecer e de extravasar a sua individualidade em busca do reconhecimento. Que precisam de ouvir a sua voz, de negociar a sua vontade com o outro, de dar sinais de presença, de se integrarem no grupo-escola e (re)aprender o valor do respeito mútuo. A sua noção de família parece-me ser séria e corresponsável.
Muitos estudiosos e pedagogos sabem aconselhar e ensinar como desenvolver uma boa relação familiar, e no seu dia a dia com a sua própria família os programas que promovem de construção familiar nem sempre são aplicados ou concertados. Sabemos que a grande maioria dos pais e educadores só conheceram a sua própria experiência familiar enquanto filhos, naturalmente. E porque aprendemos sobretudo com aqueles que amamos, os exemplos são os mais dialogantes. Refiro mais uma vez o nome da famosa escritora inglesa, que povoou de emoção e aventura a minha infância e adolescência com as aventuras dos Cinco e dos Sete, e, no entanto, consta que teve dificuldades em se entregar emocionalmente aos seus filhos (vide, por ex., o filme Enid). Convidava frequentemente os seus jovens fãs para as hilariantes horas do chá que organizava e achava que não precisava de convidar os seus próprios filhos.
Então dou por mim a pensar em alunos como estes que frequentam aulas para os habilitar a dar apoio a outras famílias, muitas quem sabe como as suas, e olho-os, alunos já não meninos, sérios portadores de uma meninice adiada prestes a emudecer, ainda com um olhar chispando ou endiabrado.
* Professora do Ensino Secundário