Serviço de Psicologia
* Rosa Duarte
Desde os tempos imemoriais dos nossos antepassados que ouvimos e sabemos que aprender é até morrer. Está visto que é essa a missão de todos nós. Aprender a aprender a todo o custo, em especial no caso dos educadores, que precisam de conhecer o ser humano, a sua matéria-prima, por excelência. Mesmo os mais instruídos em Psicologia, ou especialmente estes... Até mesmo os educadores muito experientes. E em particular os mais vocacionados e dedicados, naturalmente.
Ontem, um grupo de professores ouviu falar duas jovens psicólogas sobre alguns sintomas de alerta em cenários clínicos recorrentes nas escolas, frequentemente associados a perturbações mentais detetáveis em fases de crescimento, com particular expressão na conturbada adolescência.
No final da sessão, prenhes de vivências e lembranças, partilharam-se em privado outros, talvez plasmados por infâncias contidas. Foi então que me deram a ler esta composição singela, tocante, assinada por um bom aluno do décimo ano. O tema era a educação:
Era uma vez um Menino que gostava muito de falar e sorrir para as pessoas. Os pais muitas vezes advertiam-no para não sorrir para estranhos e não falar para não incomodar as pessoas. Como era obediente e queria muito agradar aos pais, o Menino deixou de sorrir à vontade e só o fazia em privado. Aí, de vez em quando, despejava a alegria em gargalhadas incontidas.
- Muito riso pouco siso, rapazinho. - Não se livrava mesmo assim dos ralhetes. Aquela seriedade toda era-lhe penosa e ficava apreensivo quando via outras crianças, ou mesmo adultos, a sorrirem-lhe ou a sorrir para outros, na sala do consultório, no supermercado ou na escola. - Que parvos!, pensava. Fazia questão de ser um menino lindo, como lhe pedia a mãe, não obstante sentir-se como um cachorrinho afagado no cocuruto. Quando a mãe o elogiava em público, encolhia-se todo. Não gostava mesmo nada. Mas fazia-o pelo amor que lhe tinha. Tornou-se, assim, um menino calado e observador. Falar, falava pouco; nas aulas, quase nada. - Só, obviamente, quando o professor lhe pergunta alguma coisa. Ele lê muito, gosta muito de aprender e, por isso, costuma saber as respostas.
- Mas que joia de menino! Nem se dá por ele! - Comentavam as vizinhas mais chegadas.
Nem sempre o Menino se sentia reconhecido por aquele esforço maior do que ele. Pois mal davam por ele, tão bem se comportava. Quando algum amigo lhe pedia para brincar, o seu coração enternecia-se, mas recusava. Devia portar-se bem, tipo adulto. Olhar pela sua conduta de menino com educação.
- Vai brincar - diziam-lhe as empregadas, mas ele sabia que as brincadeiras faziam sempre muito barulho. Quando ia, depois vinham as empregadas repreendê-los.
Em casa, até alguns dos adultos eram repreendidos pela mãe.
- Mas esta gente não teve educação?! - Comentava a mãe, escandalizada com o frenesim gritado pelos seus próprios familiares nas visitas domingueiras. - O que dirá a vizinhança?
A mãe quando conversava com as vizinhas, com aquelas com que tinha alguma intimidade, gabava sempre a educação do seu Menino. Às vezes as conversas delas pareciam as histórias humorísticas do «Gato Fedorento»: O meu filho com cinco anos já tinha ganho o prémio Nobel. Ah, sim, então e o meu?...
Hoje, o Menino sentado na sala de professores à espera da sua aula, sorri para dentro, observa-se, e, calado, admira-se do seu silêncio. Já é tempo de soltar amarras… Mas o ruído elevado, vindo de todos os lados da sala cheia de colegas, desencoraja-o e fá-lo pensar nas infâncias daqueles que tiveram que esperar muitos anos para poderem simplesmente gritar enquanto esperam que a sua voz se oiça. Um dia cansar-se-ão e já não precisarão de levantar a voz. Nem de mandar calar com tanta veemência. Nem de comentar o ar sorridente e generoso do outro. Ou a aparente distração. Entretanto, o Menino professor continua a aprender a não se sentir incomodado com a curiosidade desajeitada dos outros. E os sorrisos, esses, não os reprime mais. E ainda bem.
Foi mais uma valiosa achega.
Com a inevitável ajuda das doutrinas da Psicologia moderna, penso que concluímos que a educação é a grande tarefa e a melhor ferramenta é, sem dúvida, o exemplo.
* Docente do Ensino Secundário