E depois do adeus?
* Teresa Martinho Marques
Sim, eu sei. Tempos difíceis.
Mas não poderemos virar costas a perguntas e a reflexões que são importantes, mesmo que não pareçam prioritárias.
Os Magalhães ― que nas mãos certas, nas escolas certas, com os professores certos, em projetos nacionais e internacionais e iniciativas louváveis/formação por parte da Equipa de Recursos Tecnológicos Educativos e respetivos Centros de Competência TIC espalhados pelo país, têm sido fonte de muita inovação de práticas em contexto de sala de aula ― vão desaparecer. Chegará o dia em que os últimos alunos que os têm ainda na sua posse os levarão consigo e não regressarão. Vai ser já no final do próximo ano letivo que o adeus definitivo acontecerá. O adeus gradual já está a acontecer: os alunos de 1.º e 2.º ano vivem sem eles em muitas escolas que também não tinham/têm equipamento próprio em quantidade e qualidade suficientes para permitir um trabalho regular, eficaz, mais individualizado e consistente no 1.º ciclo e pré-escolar (não esqueçamos que estão em vigor há dois anos metas TIC transversais a todos os ciclos de ensino, incluindo o pré-escolar, e que os computadores não são um luxo, mas uma ferramenta do currículo nacional).
O investimento que tem sido feito na formação em contexto, por várias instituições, produziu já um conjunto de profissionais com ideias, projetos e a competência necessária para utilizar os computadores de forma integrada, adequada e equilibrada nas suas aulas. Desenvolvem nos seus alunos competências várias e até mudam paradigmas (com bons resultados), levando os seus alunos a construir artefactos digitais recorrendo à programação e, com isso, elevando o conjunto de competências desenvolvidas a padrões pouco comuns para estes níveis etários. Falo da matemática e de outras áreas curriculares, mas também de competências transversais, raciocínio lógico, comunicação, resolução de problemas, rigor e disciplina do pensamento, cooperação com outros, autoestima, confiança, persistência, autonomia, comportamentos adequados no digital. Conseguem a motivação de alunos menos motivados, a alteração de comportamentos e outras mudanças importantes com reflexos diretos no desempenho dos alunos. São boas práticas, algumas delas descritas e documentadas, que podem ser replicadas ou, pelo menos, continuadas por esses professores (que naturalmente as fazem evoluir com a experiência acumulada).
Mas está a chegar o dia do adeus. Estes mesmos professores, a trabalhar em escolas de 1.º ciclo não equipadas, perguntam-me muitas vezes nos momentos de formação à qual se entregam com entusiasmo e vontade de aprender: E depois? Com imensa pena, não lhes sei responder e não quero acreditar que tudo se afundará numa memória longínqua. Embora as escolas já estejam partidas ao meio, metade dos alunos com e metade sem, ainda há algum tempo para se pensar numa solução. Mas é um tempo curto que se vai esgotar rapidamente.
Admitindo a importância de dotar crianças/famílias de acesso às tecnologias (as polémicas associadas pouco interessam agora), seria fácil de prever que muitas escolas pouco beneficiariam a longo prazo com essa medida, como agora se constata: depois do adeus ficarão vazias de equipamento, de oportunidades e de sonhos de fazer mais e melhor, se nada mais acontecer.
Talvez pior do que nunca sequer ter sonhado, é já ter saboreado o sabor doce da aventura e não poder mais reproduzi-lo com a mesma qualidade e intensidade, por falta de ingredientes essenciais.
Numa altura em que a UE quer um reforço no ensino de competências na área das TI, o que estaremos como país a pensar fazer no futuro, depois do adeus, nas escolas do 1.º ciclo e pré-escolar que ainda não estão equipadas de forma adequada?
* EB 2,3 de Azeitão e CCTIC – ESE/IPS: http://projectos.ese.ips.pt/cctic/ e http://eduscratch.dgidc.min-edu.pt/