O ensino não é uma linha recta, é uma espiral…
Está arreigada em nós a ideia de que aprender é avançar em frente. O conceito de progressão que serve, não raro, de medida para o processo avaliativo, consiste neste avançar cada vez mais rápido no sentido do complexo. Avançar em frente implica ir mudando de assunto, passar da Idade Média para o Renascimento, de Garrett para Pessoa, de Descartes para Damásio. Esta mudança, este passar intermitente de assunto para assunto dão ao professor e, quiçá, ao aluno mais atento a ideia de que se está a avançar, a progredir, a aprender, a dominar assuntos.
Será assim nalguns momentos, será assim com alguns assuntos… mas será assim a educação?
O ser humano aprende assuntos novos mobilizando conhecimentos já adquiridos: há um ponto de referência, um enquadramento, um vaivém de conexões que se estabelecem. Esta é uma capacidade cognitiva que frequentemente os alunos não trazem desenvolvida. Convenhamos que o sistema de ensino típico ajuda, frequentemente, a que ela se mantenha inerte. Este estimula o imediato, um saber de momento que posteriormente se esquece. Ora, o domínio, o conhecimento de um assunto exigem que a ele se regresse muitas vezes. Os primeiros contactos são superficiais, indiferentes. Imaginemos, por exemplo, o estudo do adjectivo, um exemplo tão bom como outro qualquer. Há uma primeira abordagem para o reconhecimento, para compreender o funcionamento. Mais à frente, virá o momento em que se compreenderá a plasticidade do adjectivo, a sua variabilidade. Mas é preciso ir ainda mais além, passar da morfologia para a sintaxe, da sintaxe para a semântica e para a pragmática. Terá de chegar o tempo em que eu sei que a palavra é um adjectivo, mas o que me interessa é a teia de sentidos que ela tece na frase, no texto. As relações que mantém com outras palavras, o espaço que ocupa, a explosão de sentidos que ela pode desencadear. Foi um longo caminho em torno do adjectivo, um vaivém de abordagens para se conhecer mais de perto o fenómeno, para o integrar num âmbito mais geral, para perceber o seu funcionamento e importância na máquina dos sentidos.
Por tudo isto, a aprendizagem, e com ela toda a educação, não pode ser uma linha recta. Terá de ser, antes, uma espiral. Alunos e professores terão de construir os seus conhecimentos em função deste movimento espiralar que implica passar pelos mesmos pontos para ir mais longe e mais fundo. No momento de planificar, na sala de aula, o professor terá de ter presente a necessidade de voltar ao mesmo assunto, uma e outra e muitas vezes, de promover o contacto e a reflexão, de aprofundar conhecimentos e de os integrar em planos mais largos, de modo a que o sentido do todo se adquira, a familiaridade com o assunto se conquiste, o saber para esquecer deixe de fazer sentido. Por esta razão, voltamos muitas vezes à poesia, ao texto narrativo, às equações, ao funcionamento do organismo, a … Se parece acontecer assim em temas considerados maiores, o mesmo terá de se estender a todo o conceito de ensino.
Carla Marques - Mestre em Linguística e doutoranda na mesma área; autora de várias publicações de carácter didáctico e de carácter linguístico: docente na Escola Secundária/3 de Carregal do Sal.