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Correio da Educação

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Figueira da Foz, 21/03/1891 - 01/04/1975

 

        Professora do ensino técnico na Figueira da Foz e em Braga, Cristina Torres é filha de Ricardo Torres dos Santos, alfaiate, e de Delfina da Cruz Marques. Casa, em 1914, com o jornalista Albano Correia Duque de Vilhena e Nápoles. Frequenta desde muito cedo as sociedades operárias, recreativas, educativas, republicanas e maçónicas, tendo festejado nas ruas a implantação da República.

 

Militante do Partido Republicano Português, começa a trabalhar muito nova como costureira, ao mesmo tempo que segue cursos nocturnos na Escola Industrial da Figueira. Em 1911, funda a Fraternidade Feminina, Associação de Instrução e Beneficência responsável pelo funcionamento de uma escola nocturna para raparigas e, no ano seguinte, com 21 anos, parte para Coimbra, onde continua a labutar como modista enquanto estuda no Liceu e, posteriormente, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (anos lectivos de 1916/17 a 1918/19).

Termina o curso de Histórico-Geográficas em Novembro de 1920. Entre 1915 e 1922, é professora das Escolas Móveis em Coimbra (Cantina Escolar Bernardino Machado, Santo António dos Olivais e Tovim) e Montemor-o-Velho (Moinho da Mata). De seguida, é colocada como professora provisória na Escola Comercial da Figueira da Foz, onde lecciona Português, Francês, Inglês e Geografia (de Janeiro de 1922 a Julho de 1924). Neste mesmo ano, e devido a diligências dos seus alunos, é nomeada professora efectiva da Escola Industrial de Bernardino Machado.

Cristina Torres participa no Congresso Pedagógico Regional das Escolas Técnicas Elementares (Porto, 1927), com a tese "O Ensino do Português e Francês nas Escolas Técnicas Elementares", tendo sido das mais entusiastas defensoras e colaboradoras do projecto de fundação na Figueira da Foz de uma Delegacia da Universidade Livre de Coimbra (1929), responsável pelo funcionamento de cursos nocturnos de educação básica e por uma obra importante de divulgação cultural. Antiga aluna de Física e Química de Rodrigo Alberto Peixoto Galvão de Oliveira (1872-1928), director da Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz, redige um pequeno texto de homenagem póstuma a este seu professor.

Em Outubro de 1931, apresenta, no Congrès International de la Protection de l'Enfance, realizado em Lisboa, a comunicação "Les difficultés de l'enseignement chez les enfants pauvres". Nela pronuncia-se especificamente sobre o ensino das crianças pobres, as mais atingidas pela dureza da vida, e alerta para a necessidade de se reconhecer que apenas uma pequena parte das crianças frequenta a escola e muitas não acabam os estudos, sendo a taxa de abandono elevada. Isto sucede porque as escolas, sobretudo as técnicas, são frequentadas por rapazes e raparigas pobres, os livros de estudo são caros e muitos alunos têm a necessidade de trabalhar. Para contrariar a situação, é preciso acompanhar as crianças desde o seu nascimento e intervir sempre que necessário. Se é a pobreza que impede a criança de se instruir, também a atitude dos pais não ajuda ao manterem-na longe da escola. Esta, por sua vez, tem grandes responsabilidades na educação, pois é ali que a criança começa a formar o seu espírito.

Cristina Torres opõe-se ao uso da violência e critica os programas, não só pela sua extensão, mas também por só se preocuparem em fomentar a memória e não o acto de raciocinar. Na qualidade de professora, prefere educar também o acto de pensar, já que as crianças não são papagaios e devem aprender segundo a sua idade e a sua inteligência. De forma a proporcionar às crianças pobres o direito à felicidade, era necessário alterar os processos de ensino, propondo Cristina Torres várias medidas: criar por todo o lado escolas para a primeira infância, porque as crianças começam a sofrer muito cedo; preparar um corpo docente que faça do ensino uma festa e não uma profissão; impedir que se bata nos alunos; dar livros às crianças pobres em todas as escolas (primárias, técnicas e secundárias); impedir o trabalho dos menores; regulamentar o mínimo dos salários; regulamentar a entrada e a saída das crianças nos estabelecimentos e nas fábricas; fazer da escola técnica a continuação da escola primária, sem limitar as entradas; proporcionar a todas as crianças pobres o direito de se aperfeiçoarem nos trabalhos manuais; pagar às crianças de todos os cursos industriais, salários iguais ou superiores aos das fábricas e ateliers; e submeter os programas à aprovação de médicos de crianças. No ano seguinte, prefacia a 4.ª edição da obra O convento desmascarado: escândalos da vida conventual, de Edith O'Gorman e é nomeada delegada voluntária de vigilância para a Tutoria da Infância da Câmara da Figueira da Foz (26/02/1932).

Cristina Torres mantém intensa actividade de propagandista, promovendo conferências, discursando em sessões e pronunciando-se, na imprensa regional da Figueira e de Coimbra, sobre questões feministas, educativas e políticas, para além de publicar esporadicamente poemas e contos para crianças. Utiliza, por vezes, os pseudónimos de Maria República, nos artigos de carácter político, e Nôquim, nos textos dirigidos aos mais novos. Mulher voluntariosa e empenhada, obreira de uma persistente actividade pedagógica dirigida aos mais desfavorecidos, ao operariado e às mulheres, assume a responsabilidade pelo funcionamento da Escola de Instrução Primária da Universidade Livre.

Vítima da oposição ao Estado Novo, é transferida compulsivamente, em Dezembro de 1932, para a Escola Industrial e Comercial de Bartolomeu dos Mártires (depois, baptizada de Carlos Amarante), em Braga, onde permanece dezassete anos. Data desse período a publicação de dois livrinhos (de contos e fábulas), dedicados "Às raparigas e rapazes que passaram pelas minhas aulas e a quem devo as melhores horas da minha vida", e a escrita de alguns artigos para a Seara Nova. As suas convicções políticas, levam-na a sofrer, segundo A. Lopes de Oliveira, "prisões e martírios", sendo afastada do ensino em 1949, e obrigada a aposentar-se, na sequência da participação na Campanha de Norton de Matos à Presidência da República.

De regresso à Figueira, subsiste através de explicações e continua a destacar-se no combate ao Estado Novo, tendo integrado a Comissão Nacional do 3º. Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, em 1973. Por isso, recebe com emoção e alegria a data de 25 de Abril de 1974 e, apesar dos 83 anos de idade, integra a manifestação que se realiza na sua terra natal. A 24 de Agosto de 1974 profere o seu último discurso: "Ver-vos a vocês todas, às raparigas, às mulheres casadas, a todas aquelas mulheres que pudessem colaborar na vida da nação, que tirassem um bocadinho do seu dia, das suas horas de descanso, para lerem, para se cultivarem, para não terem medo da vida, porque a vida não nos mata, nós é que a matamos!" (cf. Sousa, 1983, p. 103). Adere ao Partido Socialista, sendo eleita "por unanimidade e aclamação, Presidente Honorária da Secção" (Sousa, 1983).

O seu perfil de educadora, cujo legado perdura em muitos dos seus alunos, e a sua postura cívica e política tornaram-na numa referência local e motivaram a atribuição do nome "Cristina Torres" à Escola Secundária nº. 3 da Figueira da Foz. Em 1992, a Câmara Municipal dedica-lhe a Exposição comemorativa do 25 de Abril, tendo-se socorrido do suporte documental oferecido pelo casal ao Museu e à Biblioteca.

 

Bibliografia

Aos rapazes: palavras de Cristina Torres dos Santos na festa de 8 de Dezembro de 1910 na Associação de Instrução Popular da Figueira, Figueira da Foz, 1910. "Os deveres e os direitos da mulher: conselhos a minha irmã", A Redenção, nº. 4 a nº. 18, de 15/06/1909 a 15/01/1910. "A obra maternal", A Redenção, n.º 14, 15/11/1909. "Maternidade", A Redenção, nº. 19, Fevereiro de 1910. "Associação de Instrução Popular: ainda a festa do dia 8: palavras da nossa conterrânea Cristina Torres dos Santos", A Voz da Justiça, 13/12/1910. "Pela criança", A Voz da Justiça, 21/02/1911. "Pela mulher", A Voz da Justiça, 14/03/1911. "As mulheres e mães dos trabalhadores", O Carpinteiro, 1913. "Horas de trabalho em Coimbra", União e Luz, nº. 3, 01/07/1913. "Carteira feminista", A Briosa, 05/03/1913, 23/04/1913, 21/05/1913, 14/05/1914 e 26/11/1914. "Educação portuguesa", A Revolta, 08/07/1916. Ligeiros comentários sobre a Revolução Francesa: para a Escola Normal Superior, 1921. "A reforma da Educação Nacional", A Voz da Justiça, 6 artigos entre 03/08/1923 e 28/09/1923. "O ensino", A Voz da Justiça, 09/11/1929. "Cultura e Ensino", A Voz da Justiça, 13/11/1929. "Universidade Livre: a notável conferência 'O terror na educação infantil' pela sr.ª dr.ª Cristina Torres", A Voz da Justiça, 07/06/1930. "Influência feminina: a brilhante conferência da sr.ª dr.ª Cristina Torres, em Coimbra", A Voz da Justiça, 21/06/1930. "Homenagem", In-Memoriam Rodrigo Galvão, Figueira da Foz, 1931, pp. 3-4. Les difficultés de l'enseignement chez les enfants pauvres, Lisboa, 1931. "Notas de uma professora", Seara Nova, n.º 883, 1944, p. 170; nº. 921, 1945, pp. 235-236; nº. 927, 1945, pp. 34-35; nº. 930, 1945, pp. 88-89; nº. 938, 1945, pp. 228-229; nº. 964, 1946, pp. 70-72; nº. 1032, 1947, pp. 22-23; nº. 1092, 1948, pp. 150-151. "Recordando - A mulher e a República", Seara Nova, nº. 1054, 1947, pp. 81-83. "A mulher e o trabalho", Seara Nova, nº. 1087, 1948, pp. 69-71. Para crianças (contos), Braga, 1949. Para crianças (fábulas), Braga, 1949. A mulher, Figueira da Foz, 1952.

  João Esteves, «TORRES dos Santos, CRISTINA», in António Nóvoa (dir.), Dicionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições Asa, 2003, pp. 1380 - 1382, com adaptações.

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