RAPOSO, JOSÉ ANTÓNIO SIMÕES
Um pensador da pedagogia
Lagoaça (Freixo de Espada à Cinta), 29/04/1840 – Lisboa, 18/06/1900
Filho de proprietários rurais de Trás-os-Montes, Simões Raposo é aluno pensionista da Escola Normal Primária de Lisboa (1863-1864). A partir de 1866, integra os quadros do pessoal docente da Real Casa Pia de Lisboa, instituição a que continua ligado durante toda a vida. Vê reconhecidas as suas competências ao ser nomeado Provisor de Estudos da Casa Pia, lugar em que leva a cabo uma importante reformulação do currículo e dos métodos de ensino. Pertencendo às primeiras gerações de professores normalistas, desempenha funções nas escolas normais, masculina e feminina, da capital a partir de 1870.
Devido ao sucesso das medidas que empreendeu, ascende ao cargo de subdirector da Casa Pia, em 1877. Durante a década de oitenta, realiza uma actividade de grande significado como inspector do Ensino Primário da 1ª Circunscrição (Porto). Neste âmbito, tem um papel decisivo na dinamização das "conferências pedagógicas" e na acção em prol do ensino normal, nomeadamente como membro da Comissão Inspectora das Escolas Normais de Lisboa. Nos anos seguintes, mantém uma intensa actividade, educativa e política, sendo eleito deputado como "candidato do professorado primário" (1887) e exercendo funções como vereador do pelouro da instrução na antiga Câmara Municipal de Belém.
Personalidade prestigiada no estrangeiro, nomeadamente em Espanha, Simões Raposo realiza diversas missões a países europeus, tendo participado no Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano de 1892, a convite de Bernardino Machado, com uma série de comunicações versando os seguintes temas: a organização do ensino primário nacional; estudo comparativo da instrução primária nacional; ensino da leitura e da recitação na escola primária; ensino da escrita, da caligrafia e do desenho na escola primária; ensino da língua materna; ensino da aritmética e do sistema métrico; e ensino da geografia.
Reconhecido quer por políticos quer por educadores, Simões Raposo dirige nos últimos anos da sua vida a Escola Normal Primária de Lisboa (acumulando mesmo, durante algum tempo, a direcção das escolas normais para o sexo masculino e para o sexo feminino). Tendo tido uma presença forte na consolidação do sistema de ensino, marca, pelo menos, três importantes áreas de actividade: a Casa Pia de Lisboa, o ensino normal e o associativismo docente.
Na Casa Pia de Lisboa, Simões Raposo exerce uma notável acção pedagógica. A leitura dos relatórios anuais que publica, irregularmente, entre 1869 e 1884, revela uma preocupação constante com a modernização e a racionalização dos procedimentos pedagógicos e administrativos. Estas rotinas articulam a administração escolar com a interacção dentro da sala de aula através, por exemplo, da produção de diários de classe onde se sumaria os conteúdos transmitidos e se regista o uso desses conhecimentos.
Concebendo a escola como um todo, Simões Raposo explica os objectivos políticos da educação integral: a escola "é finalmente uma sociedade democrática popular em miniatura" (1867, p. 22). Este objectivo assume particular importância pela especificidade do público escolar a que Simões Raposo se está a referir. Maioritariamente constituída por órfãos oriundos das classes populares, a população escolar da Casa Pia marca o seu pensamento pedagógico.
Na sua opinião, as metodologias utilizadas na sala de aula devem ter em mente o quotidiano, educando o indivíduo para o trabalho e para a autonomia de acção. Simões Raposo acredita na base biológica do pensamento, considerando que a pedagogia é pensada para imprimir nos indivíduos determinadas inibições e quadros comportamentais. O uso de uma "psicologia empiricista" conduz Simões Raposo a conceber a educação como uma progressiva integração e transformação de organismos humanos em indivíduos socialmente úteis.
O seu trabalho na Casa Pia fica ainda marcado pela introdução, pela primeira vez em Portugal, das "classes graduadas", isto é, do princípio de uma progressão dos estudos por classes segundo o nível dos alunos, que viria a consagrar-se no ensino público, primeiro nas "escolas centrais" instituídas a partir de 1878, alargando-se progressivamente a todo o sistema de ensino. Registem-se as palavras proferidas por Pedro Eusébio Leite, em 1904, a propósito da acção de Simões Raposo:
"Os trabalhos de organização metódica - a divisão das aulas de instrução primária em classes, ou cadeiras, em que os alunos são distribuídos, não pela idade, ou pela altura, mas pelo seu estado de adiantamento; a regulamentação dos programas das disciplinas a ensinar nas diferentes cadeiras, e em cada uma das divisões ou classes de cada cadeira; a disposição do método a seguir em cada um dos ramos de instrução e da educação moral; a criação em fim da escola moderna, em que a influência do professor se faz sentir, conjunta e individualmente, em todos os alunos, são dignos de apreciação e de estudo. Podemos gloriar-nos de ter sido a Casa Pia a primeira escola onde se estabeleceu o ensino metódico e progressivo, e que serviu de modelo à organização das numerosas escolas primárias da benemérita Sociedade dos Asilos de Infância Desvalida e, principalmente, às Escolas Centrais de Lisboa, e de todo o país" (1904, pp. 10-11).
José António Simões Raposo integra uma importante geração de normalistas, contribuindo significativamente para a consolidação das instituições de formação de professores e para a delimitação de um campo especializado de conhecimentos sobre o ensino. Como professor e director das escolas normais procura prestigiar o professorado, objectivo que prossegue ao longo de toda a sua vida.
Na década de 1880 é, na sua qualidade de inspector, um dos principais impulsionadores das conferências pedagógicas. Este projecto, alimentado no interior da primeira experiência normalista em Marvila, tinha uma dupla intenção: actualizar os conhecimentos dos professores e consolidar um espírito de corpo profissional. Nas suas intervenções, José António Simões Raposo deixa bem claras estas intenções. Assim, no discurso de abertura das conferências de Lisboa, realizadas em 1883, afirma: "É fora de dúvida que todo este movimento progressivo que por toda a parte presenciámos deve o seu maior impulso ao ensino normal, às conferências, e aos congressos pedagógicos. [...] Depois destas conferências virão as assembleias mais numerosas, depois destas os congressos nacionais, e com eles a certeza de que a nossa voz, as vozes acordes de todos os educadores da infância hão-de achar eco nas regiões do poder central, e aplauso em todos os corações generosos desta boa terra de Portugal" (1884, pp. 3 e 7).
E, dois anos mais tarde, ao abrir as conferências do Porto, volta a conceber um método pedagógico orientado para reduzir o espaço entre a educação familiar e a disciplina escolar, defendendo que o professor não pode ignorar o "ponto de partida" das crianças: "Considere o professor, antes de entrar em combate com a ignorância, o estado em que as crianças entram para a escola, o meio em que elas têm vivido até àquela época, o viver doméstico das classes trabalhadoras e mais desfavorecidas da fortuna, pois que são elas que fornecem a população que frequenta as escolas públicas. [...] Uma das causas que mais tem contribuído para que as crianças aborreçam a escola, principalmente nos primeiros tempos, tem sido, o não haverem os professores meditado seriamente neste ponto capital, e o terem assim desconhecidos que a verdadeira escola é aquela que continua a família" (1885, p. 6).
O pensamento pedagógico de Simões Raposo é marcado pelo catolicismo, mas também pela vontade de combater a ignorância e de alargar a educação popular ao maior número possível de crianças e de famílias. A sua determinação em levar os indivíduos a "obrar com responsabilidade consciente, educados para sentirem os instintos altruístas da sublime caridade cristã" (1885, p. 7) aponta para uma visão de ordem social. Nesta ordenação, o laço religioso liga os diferentes grupos da sociedade. A educação aparece assim como gestão da tensão entre a desagregação profissional do capitalismo e a solidariedade requerida pela organização estatal do território. Propõe assim uma "escola moderna", mas assente nos princípios da ordem e da disciplina: "Todo o saber, todo o método, toda a actividade, todo o interesse, todos os esforços do professor serão baldados, se na escola não houver disciplina e ordem" (1885, p. 7).
Inspector do ensino primário, participou também em várias inspecções às escolas normais, tendo sempre revelado a atenção especial com que encarava a formação dos professores primários. Em 1888, o relatório da comissão inspectora das escolas normais do Porto, presidida por José Guilherme Pacheco, cita expressamente a sua opinião: "E foram tão brilhantes as provas exibidas pelos alunos normalistas, neste último ano, que o digníssimo inspector desta circunscrição primária, José António Simões Raposo, impressionado com os seus resultados, declarou que tendo presidido aos exames finais dos cursos de 1.º e 2.º graus, de ambos os sexos, ficou surpreendido e maravilhado com as provas que deram do seu aproveitamento: [...] que tudo isto era devido aos cuidados, boa direcção e métodos adoptados, e principalmente ao zelo e diligência empregados pelos corpos docentes, que são dignos dos maiores encómios".
Para além de muitas outras actividades, José António Simões Raposo publicou também manuais escolares para o ensino primário, foi professor de Pedagogia na escola normal para o sexo feminino de Lisboa e vereador do pelouro da instrução em Belém. A sua actividade e o seu pensamento ilustram bem o esforço que, na segunda metade do século XIX, estava a ser feito para a difusão de práticas novas de ensino e de educação em Portugal.
Bibliografia
«RAPOSO, JOSÉ ANTÓNIO SIMÕES», in António Nóvoa (dir.), Dicionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições Asa, 2003, pp. 1154-1156, com adaptações.