1. A massificação da profissão docente é uma realidade, tal como aconteceu com outras profissões. A bancária é um bom exemplo, pois há cinquenta anos poucos concelhos possuíam uma dependência bancária. Eram casas comerciais que descontavam cheques, como acontecia por volta de 1930, em Manaus, segundo a narrativa de Ferreira de Castro, em A Selva.
A complexificação das actividades e correspondentes relações institucionais obrigam ao aumento das tarefas burocráticas. Se tivermos presente o tempo em que um liceu – e, em finais do século XIX, havia apenas um no Porto – era a comunidade de umas dezenas ou centenas de pessoas, entre docentes, alunos e funcionários, damo-nos conta de quanto as coisas mudaram nas escolas.
Mas ainda nos anos sessenta, o número de liceus era de cerca de vinte e dois e o de escolas técnicas pouco maior seria. Por estranho que pareça, a mobilidade docente era bem maior do que hoje, devido ao reduzido número de lugares de quadro. Também o número de liceus normais, onde se realizava estágio e onde havia professor metodólogo, era reduzido pelo que apenas alguns dos poucos docentes habilitados a ele acediam.
2. Não se pense, porém que não havia, formação ao longo da carreira dos professores profissionalizados. Também aqui, como noutros importantes sectores que a constituem, ela ainda não estava burocratizada. Exemplo disso era a correcção de exames. Ainda hoje, pergunte-se a um professor experimentado e reconhecido, até premiado, onde aprendeu essa tarefa.
Não há nisto qualquer desconfiança ou crítica. Pelo contrário. Pretende-se reconhecer e valorizar mecanismos de treino e aprendizagem, relativos à profissão docente, hoje extintos ou menosprezados. Era uma aprendizagem pelo exemplo e modelação, treino e imitação, tentativa e erro – tutelada por profissionais experimentados. Para se ajuizar da sua pertinência, pergunte-se a um atleta como aprendeu a andar ou a correr…
O antigo estágio pedagógico, no qual, pela exiguidade de lugares, se entrava já com experiência de ensino, em que um metodólogo conduzia dois ou três estagiários ao longo de um ano; as longas trocas de experiências entre professores, em salas confortáveis de liceus, nas quais até bar havia; a existência de revistas mensais, como a Labor, publicada dos anos vinte aos anos setenta do século XX, e a Palestra, cuja publicação se iniciou por volta de 1960 – eis alguns exemplos de formação docente ao longo da carreira.
Reconhece-se que os tempos mudaram e tornaram a burocratização necessária devido à massificação de docentes, de escolas e de alunos, à alteração de mentalidades, à degradação de instalações, à responsabilização crescente de pais e da comunidade envolvente na escola e à transparência de processos administrativos e pedagógicos – tenha-se presente, por exemplo, que a revisão de provas é uma possibilidade recente.
3. Mas não se confunda a nuvem com Juno. Não temos que envolver tudo o que à profissão diga respeito num dado movimento de mentalidades em mudança.
O pressuposto é que a classe docente é das mais qualificadas, académica e humanamente: pela longa preparação exigida e pelo material humano com o qual lida diariamente. Isto responsabiliza-a a ela e ao sistema: a primeira não pode “perder-se” no labirinto de qualquer sistema, o segundo deve permitir ao professor/educador que seja o timoneiro da sua acção central: ensinar/educar numa relação pedagógica por ele conduzida.
Aqui se localiza o epicentro da formação docente, ligada ao acto de ensinar. São três os ângulos decisivos e decisores dessa formação: o professor, o Ministério e o formador. Mas a credibilidade da formação vai além deles: abarca, ainda, as condições em que ela se realiza.
E estas são determinantes na sua credibilização. Ora vejamos. Ao levar o automóvel à oficina, ouve-se, frequentemente, que fulano, mecânico da casa, foi para Lisboa, em formação, pois vai sair um novo modelo… A formação actual dos professores é feita em horário pós-laboral, na sua escola ou noutra da sua região. Mas é realizada depois de um dia normal de trabalho ou ao sábado!
Não, assim não é credível, nem para o docente, nem para o formador, nem para os alunos, nem para os pais, nem para a escola, nem para a comunidade… E se não é credível...
J. Esteves Rei - Professor Catedrático de Didáctica das Línguas e de Comunicação, na UTAD, Vila Real