José de Matos Sobral Cid
Lamego 29/06/1877 – Lisboa, 28/04/1941
Filho de Augusto de Matos Cid e de Maria Henriqueta de Costa Sobral Cid, José de Matos Sobral Cid matricula-se no Curso de Matemática da Universidade de Coimbra em 1892 e, em 1895, nos cursos de Filosofia e Medicina, obtendo o grau de Licenciado em 1901 e o de Doutor em 1902. Apesar de reconhecido pelos seus pares e professores, não encontra uma cátedra que se adeque à sua vocação psiquiátrica, sendo desviado para o ensino da Patologia, Obstetrícia e Medicina Legal. Nestes anos finais da Monarquia, constrói ligações com grupos republicanos, ocupando os lugares de deputado e de Governador Civil de Coimbra entre 1903 e 1904.
Fundador da Faculdade de Medicina de Lisboa, encontra aqui a sua vocação como professor de Psiquiatria Forense e como médico-adjunto do Hospital Miguel Bombarda. Sobral Cid é um dos porta-vozes mais activos de uma geração científica, cujas linhas de orientação traça na sua Oração de Sapiência de 1907. São essas linhas que tenta impor quando é convidado para a pasta de Instrução Pública. Entre Fevereiro e Maio de 1914, o tempo que a instabilidade política republicana lhe concede, elabora uma reforma da organização do ensino. Remete-se depois, durante o resto da República e Estado Novo, para fora do campo político, atingindo o cume da carreira médica em 1923, após a morte de Júlio de Matos, nos lugares de director do Hospital de Rilhafoles e professor catedrático de Psiquiatria. Nesses anos vinte, goza de um período de maior produtividade científica, desenvolvendo as suas ideias relativas à predominância da afectividade sobre a cognição no funcionamento da mente humana (cf. Fernandes, 1978). A acção pedagógica de Sobral Cid centra-se em três campos: administração do ensino; articulação entre ensino e investigação; saúde mental escolar. Sobral Cid faz parte de uma tradição de intervenção de psiquiatras no campo educativo, iniciada por Júlio de Matos, continuada por Barahona Fernandes e, actualmente, por especialistas como Daniel Sampaio. No entanto, só tardiamente a sua acção pedagógica se baseia no capital técnico próprio à profissão (1937), preferindo antes pensar a articulação da investigação científica com a universidade e a sociedade (1907, 1926) e a administração da Instrução Pública (1914). Na Oração de Sapiência de 1907, Sobral Cid analisa a sociedade portuguesa do final da monarquia através de uma crítica às estruturas académicas e científicas da universidade. Considerando a reforma pombalina como um salto qualitativo na evolução da relação entre universidade e sociedade, apresenta as linhas de um novo impulso reformador. Este texto é considerado por muitos um elemento essencial na definição da política republicana de autonomia universitária. Tal como noutros momentos reformadores, Sobral Cid busca inspiração em modelos universitários europeus: o inglês, caracterizado pela importância dos aspectos aristocráticos da educação e estruturado de forma a preparar o indivíduo para a vida pública; o francês, centralizado, baseado numa separação entre ensino e ciência e vocacionado para a formação de altos funcionários públicos; e o alemão, com uma forte autonomia administrativa e intelectual, investindo na ligação entre ensino e investigação científica. Criticando, a partir de um enquadramento meritocrático, o "privilégio" existente nas universidades inglesas, Sobral Cid não deixa de considerar os males da herança centralizadora francesa, iniciada com a Revolução e continuada por Napoleão. É esta a marca que vê na universidade portuguesa: um ensino organizado segundo uma orientação cesarista. Por outro lado, reflecte sobre o carácter periférico da produção científica portuguesa que reduz a prática académica à verificação e reprodução de ciência produzida noutros centros. Preconiza que tais condições sejam alteradas através da assimilação da organização universitária alemã, nomeadamente graças ao desenvolvimento da autonomia pedagógica e administrativa, à liberdade de ensino e aprendizagem, e à difusão de instituições de produção e organização do conhecimento (bibliotecas, institutos, seminários e clínicas). Faz, assim, um apelo à especialização científica, não pelo planeamento centralizado das posições científicas, mas sim através de medidas estruturadoras de vocações e percursos livres. Apenas deste modo pode a universidade cumprir as suas três funções principais: preparar o profissional para a carreira no contexto de um ensino profissional adequado às exigências dos diversos sectores económicos; preparar o cidadão para o Estado por meio de um ensino cívico e uma integração do indivíduo na sua comunidade cultural; e formar o homem para a ciência. Quando volta ao tema da reforma universitária, em 1925, Sobral Cid pretende avaliar as políticas republicanas nesse sector. Concentra especialmente a sua atenção sobre as novas normas de recrutamento incluídas na reforma de 1911, verificando que essa abertura institucional não teve correspondente aumento de meios financeiros que permitissem alcançar os objectivos que a reforma se propunha. É assim que diagnostica um estrangulamento do sistema universitário, considerando que a regeneração dos métodos de ensino e a formação de centros universitários de criação de ciência não se concretizaram na prática. A sua ideia de um professor que, a partir da proximidade com os procedimentos experimentais, estimulasse as faculdades de observação, os sentidos, os hábitos da dúvida, a imaginação científica e a reflexão é, em vésperas da Revolução Nacional, um ideal irrealizado (1926, p. 32). Todavia, não é apenas na frágil estrutura administrativa republicana que Sobral Cid descobre responsabilidades, mas também na ausência de esforços para interessar diversos actores sociais no desenvolvimento do conhecimento científico nas universidades portuguesas. São eles os municípios e, à imagem de universidades dos Estados Unidos da América, mecenas e agentes económicos: "Criemos um espírito novo: a fé na ciência e no mágico poder da sua fecunda aliança com o trabalho da oficina e dos campos" (1926, p. 51). Esta sua posição sobre as políticas de reforma universitária poderá ser compreendida à luz da sua experiência como ministro da Instrução Pública. Apesar de Sobral Cid ter assumido estas funções como um "intelectual", e não como um "político profissional", a sua passagem pelo Ministério deu-lhe uma visão das negociações, estratégias e instabilidades do processo político. Já no seu projecto de reorganização da administração do ensino de 1914, confessava os difíceis equilíbrios entre uma política descentralizadora, representada pelo regime municipalista da Lei Sampaio, potenciadora de caciquismos, e uma política centralizadora, representada na acção de Dias Ferreira, estimuladora de processos burocráticos desnecessários (1914). Reconhecendo a política descentralizadora como propriamente republicana, Sobral Cid não deixa de escutar as reivindicações centralizadoras vindas dos congressos pedagógicos. Preconiza, por isso, uma "solução intermediária" através da formação de províncias escolares dirigidas por uma comissão de representantes dos agentes locais envolvidos no processo educativo. Reparte também as responsabilidades mais directas, cabendo aos municípios a manutenção e construção do edificado e ao Estado Central a gestão dos recursos humanos. É neste contexto conciliador que pretende introduzir uma proposta de formação de museus pedagógicos que ajudem a reforçar a ligação entre educação e progresso nacional. Compreendendo o desaparecimento do espaço político para o tipo de intelectual que representava, Sobral Cid remete-se ao seu campo profissional, enquanto psiquiatra que intervém na área pedagógica. Este movimento corresponde, assim, a um abandono das questões políticas da organização do ensino e a um investimento em temas científicos relativos à psicologia da criança, do adolescente e do adulto. Definindo a Higiene Mental como "uma espécie de mecanismo reflexo, uma reacção intervencionista inteligente e compreensiva" de diagnóstico e prevenção do desvio social, Sobral Cid vem contribuir para que a saúde mental seja incluída nos processos de formação da medicina escolar. De uma forma geral, divide a Higiene Mental em quatro grandes sectores: (i) a prevenção eugénica, impedindo, através de lei ou propaganda, que doenças psiquiátricas hereditárias sejam transmitidas; (ii) a intervenção na família, proporcionando uma "constelação familiar" saudável para o desenvolvimento da criança; (iii) a atenção ao período da adolescência, essencial na formação de uma personalidade normal devido tanto à "especial constelação endócrina" como à "súbita ampliação do círculo de interesses", no sentido de "orientar e corrigir a atitude dos pais quando seja necessário, guiar o jovem na escolha da profissão, afastá-lo dos meios moralmente perniciosos, favorecer a sublimação intelectual e social das suas tendências ou proporcionar-lhe uma derivação salutar, promover a intervenção do psico-terapeuta e apelar em caso de precisão para as instituições de tutela e protecção de infância" (1937, p. 494); (iv) a acção junto do adulto, centrando a Higiene Mental no diagnóstico de patologias mentais e, sobretudo, no combate ao grave problema social do alcoolismo, um factor de decadência física e moral do indivíduo e, mais importante, de desorganização familiar. Ao englobar diferenciadamente todo o ciclo de vida humana, Sobral Cid traça também uma relação isomórfica com os dois actores do projecto salazarista de reforma moral: a família e a juventude. Define, assim, uma continuidade entre a escola e as instituições psiquiátricas. Bibliografia Oração de Sapiência (proferida a 16 de Outubro de 1907), Coimbra, 1907. Reorganização da Administração do Ensino, Lisboa, 1914. Aspirações Universitárias – A Universidade ao Serviço da Nação (Oração de Sapiência proferida a 8 Dezembro 1925), Lisboa, 1926. "A Higiene Mental", A Saúde Escolar, n.º 18, ano II, 1937, pp. 491-496. O Instituto. A Saúde. A Saúde Escolar. Trabalhos sobre o(a) autor(a) Adolfo Lima, "Cid (José de Matos Sobral)", in Enciclopédia Pedagógica Progredior, Porto, s/d, pp. 1025-1026. Celestino da Costa, "O Professor Sobral Cid", Imprensa Médica, 14(9), 1941, pp. 3-6. Barahona Fernandes, "Sobral Cid, A Antítese Psicopatológica", Filosofia e Psiquiatria, 1978. Barahona Fernandes, "Sobral Cid, Mestre da Psicopatologia", O Médico, 1557 (32), p. 100. "José de Matos Sobral Cid", in Memoria Professorum, Coimbra, 1992, p. 202.
« CID, José de Matos SOBRAL, Augusto », Tiago Moreira, in António Nóvoa (dir.), Dicionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições Asa, 2003: 211, com adaptações.