Das férias, do ensino e da escola
1. As férias são definidas pelos dicionários e enciclopédias como “período de suspensão das actividades escolares; interrupção de trabalho manual ou intelectual; repouso; descanso” (A Enciclopédia, Público). “Dias em que há cessação de trabalho oficial; período de licença nas escolas, nas universidades” (Nova Enciclopédia Larousse, Círculo de Leitores).
“As férias são os períodos de repouso que separam os períodos lectivos, permitindo um certo descanso no esforço que o estudo exige. Nem sempre este fim é atingido, já pela organização dos cursos que compreendem exames para depois das férias, já por outras circunstâncias alheias ao problema pedagógico.” (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia).
Raramente me revi nestas definições.
Durante a escola primária e o ensino secundário, as minhas férias sempre me trouxeram trabalho manual em ambiente rural, nas actividades de uma casa de lavoura beirã, e uma grande dor de cabeça por nunca fazer os TPCs de férias. Destes fazia parte a leitura das obras completas a estudar no ano lectivo seguinte. Era dos Programas.
Mais tarde, antes de sair para o estrangeiro, melhorar o domínio de línguas, ofereci colaboração na construção de várias Aldeias SOS de Crianças, como a do Estoril. E, na vida profissional, sempre foram preenchidas com trabalhos intelectuais de fôlego, só nessa altura possíveis.
Como eu, muitos outros seguirão a máxima que “férias é mudar de actividade”. Hoje a maioria das pessoas regressa mais cansada do que parte: viagens, turismo, apoio à família deslocada, sem as condições existentes em casa, oportunidade para arrumar coisas … parecem desactualizados, esses textos de referência!
2. A imprensa do fim-de-semana trouxe a morte de Morais e Castro. Querendo sempre ser actor, acabou por tirar o curso de direito, a pedido do pai: “O meu pai foi peremptório: está bem, se é isso que tu queres. Mas continuas a estudar. Não somos ricos e a única coisa que te posso deixar é um curso.” (24 horas, 23.8.2009: 5)
Refere, ainda, este jornal que “foi capaz de conciliar ao longo de toda a vida as duas carreiras: ao mesmo tempo que representava, era advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa e da Philips”.
Lembrei-me desta frase, acabada de ler, no domingo de manhã, quando me dirigia ao multibanco, numa dependência bancária da minha rua e um vizinho de alerta: – Mas está fechado hoje! E respondi-lhe que, com o cartão, podia abrir a porta de entrada e ir à máquina. Retorquiu: - Ai o Senhor tem chave do banco!… E desenvolvi a explicação.
Terá a idade de Morais e Castro. Mas não recebeu a obrigação nem as oportunidades dele, na sua juventude. Passou a sua vida nas obras. A importância de um curso como porta para uma carreira, se ainda não perdeu a sua actualidade, tinha há cinquenta anos como hoje a importância decisiva.
3. O limiar do emprego situa-se hoje no final do ensino secundário. Sem ele as limitações para ingressar no mercado de trabalho são grandes. Nem sempre as famílias e os jovens mostram conhecerem as consequências da posse do diploma e, sobretudo, do que ele representa.
São outros os tempos, mas impressiona ver como a instrução era apreciada no século XIX. Também aqui parece verificar-se a máxima: “com o aumento da oferta diminui o interesse por um bem”. No caso, o acesso ao ensino.
Vê-se bem no testamento do Conde Ferreira, ou seja, José Ferreira dos Santos, nascido a 4 de Outubro de 1872, no qual contempla também vários hospitais:
“Convencido de que a instrução pública é um elemento essencial para o bem da sociedade, quero que meus testamenteiros mandem construir e mobilar cento e vinte casas para escolas primárias de ambos os sexos nas terras que forem cabeça de concelho, sendo todas por uma mesma planta e com acomodação para vivenda do professor, não excedendo o custo de cada casa e mobília a quantia de 1:200$000 reis, num total de 144.000$000.” (“Escolas”, Dicionário Universal de Educação e Ensino, E. M. Campagne, traduzido por Camilo Castelo Branco).
Ora a cobertura universal do país por este nível de ensino data dos anos cinquenta do século XX. Este gesto é tanto mais relevante quanto se diz “Numa parte das nossas actuais associações não é tanto a questão do ensino, mas sim a do agasalho que incita a piedade dos subscritores. Tirem ao asilo que ministra a instrução à infância o nome de asilo, substituam-no pelo título de escola, e verão diminuir o número de subscritores. ”
Um jornal do Porto perguntava a 25 de Março de 1866, o dia seguinte à sua morte: “cento e vinte escola no reino. Sabem o que […] representa? Cento e vinte raios de luz a desparzirem-se [espalharem-se] por onde a escuridão é mais densa, por onde as brechas são mais inacessíveis.”
Foram muitos os encómios tecidos a este ex-emigrante da América, depois estabelecido no porto. Talvez o mais pertinente, diz-se, seja a citação desta passagem, aí em Francês: “O comerciante digno deste nome, é aquele cujas especulações e empresas apenas têm por objecto o bem público, e cujos efeitos ressaltam para a nação.
J. Esteves Rei - Professor Catedrático de Didáctica das Línguas e de Comunicação, na UTAD, Vila Real.