* José Matias Alves
Reforçar o tempo prescrito para a lecionação das disciplinas fundamentais; reforçar as horas nas disciplinas da tradição escolar; valorizar (supostamente) o conhecimento social e humano; reforçar a carácter transversal da educação para a cidadania; promover o rigor na avaliação obtendo dados fiáveis sobre a aprendizagem e transformar as provas aferidas do 4.º ano em exames com impacto nos resultados dos alunos; prestar maior acompanhamento aos alunos; flexibilizar a duração dos tempos curriculares, permitir que as escolas adotem uma disciplina no 7.º e 8.º ano: eis alguns dos propósitos das medidas anunciadas pelo Ministério da Educação.
a) A investigação comprova abundantemente que estas reformas decretadas não mudam de per si a realidade. Isto significa que estas medidas não tocam o essencial da gramática escolar, não dão qualquer garantia de elevação das qualidades dos modos de ensinar e de aprender, e são, por isso, uma ilusão e uma perda de tempo, podendo, inclusive, gerar ondas crescentes de descrença e desvinculação por saturação de mudanças inúteis.
b) As mudanças que têm poder impactante sobre as formas de ensinar e aprender têm de ser induzidas pelo poder central, mas têm de ser geradas, alimentadas e sustentadas pelos atores que trabalham nas escolas e nos territórios educativos, tendo como referência e foco central a organização pedagógica e os modos de ensinar e de aprender. Ora, como é sabido, os modos de se organizar o ensino e de se fomentar as aprendizagens dos alunos não são decretáveis.
Persiste-se, pois, no erro e na ilusão. Os nossos governantes tinham a obrigação ética e política de estudar e de conhecer as medidas curriculares dos últimos 30 anos e evitar cometer os mesmos erros. E a obrigação de cumprir a prometida (e sempre adiada) devolução do poder e responsabilidade às escolas. Não há saída para a regeneração das práticas educativas se se persistir numa governação por decreto. Manifestamente mais fácil. Mas tendencialmente inútil. Só a autonomia, a liberdade de iniciativa e a responsabilidade nos podem resgatar da menoridade cívica em que vegetamos. E as políticas que façam querer os professores e as escolas trabalharem de outro modo.
P.S. - No documento divulgado, enuncia-se ainda a probabilidade de se reverem (outra vez) os programas. Não pode ser. Não se pode semear a instabilidade, aludindo a cenários hipotéticos e a conjeturas de mudanças prováveis. Todos perdemos com esta falta de rigor na condução das políticas.
* José Matias Alves é investigador, doutor em Educação e professor convidado da Universidade Católica Portuguesa.