* Inês Silva
Tem-se vindo a assistir, desde o início do século XXI, ao fim das humanidades em Portugal. Cada vez menos os alunos escolhem esta área de estudos no ensino secundário. Cada vez menos pretendem tirar uma licenciatura em línguas e literaturas ou em linguística, ou ainda em história ou filosofia. E cada vez menos se interessam pela “cultura” associada à sua língua, literatura, vivências do passado…
Também em certas licenciaturas, como Educação Básica, os docentes confrontam-se com a dificuldade crescente dos estudantes (futuros educadores e professores) em acompanhar os programas de unidades curriculares como cultura portuguesa, literaturas lusófonas, linguística, história.
A que se deve este desinvestimento e este desinteresse (quase repúdio) pelas humanidades?
Posto isso, percebe-se que a sociedade vá matando as humanidades. Deixou de lhes dar importância, ao não exigir dos que educa, desde o básico, um trabalho de “corpo a corpo” com certos textos de referência sociocultural e literária, considerados “muito difíceis”, “muito puxados”, “muito estranhos” à geração da Playstation e dos Morangos com Açúcar. E aceitou passivamente que a roda económica chamada euro, uma espécie de pesa-papéis calcador das humanidades, marcasse a velocidade da existência.
Postas as humanidades nas prateleiras das bibliotecas mais antigas, dá-se o início inevitável de uma crise humanitária. Sem a leitura, sem a reflexão, sem o pensamento associado ao que fomos, para onde vamos, quem somos, o que queremos, o que é a paz, a guerra, o amor, a vontade, a esperança… transformamo-nos em autómatos. Isto é, desprezando o conhecimento histórico, filosófico, literário, social, o homem deixa de ser criativo, deixa de ser empreendedor, deixa de querer ser independente do Estado, deixa de ser solidário, deixa de conhecer o mundo onde vive, deixa de pensar, deixa de ser competente a ler o que os outros escrevem, a ouvir o que os outros lhe dizem, a escrever as suas opiniões…
Deixa de se amar a si, deixa de amar os outros… deixa de ser homem.
* Inês Silva - Doutora em Linguística (Sociolinguística). Professora Adjunta convidada na Escola Superior de Educação de Santarém. Tem realizado estudos sobre a escrita dos alunos. É autora de várias publicações de caráter didático e de caráter linguístico. Na ficção, publicou o romance: A Casa das Heras.