O verso alcançando o infinito
O poema nasce de um impulso,
de uma febre, da tirania de uma miragem,
da tentação sonora de uma metáfora,
do vazio que teme transformar-se em nada.
Depois é a escrita, é o trabalho da mão
sobre a matéria incandescente das sílabas.
E, quando damos por nós, é de corpo inteiro
que estamos na fragilidade do poema
como se tivéssemos ousado cavalgar numa nuvem
para desafiar todos os poderes do céu.
Quem ousará explicar este sortilégio?
Nem sequer os deuses, pois esses
nasceram da própria erupção do verbo,
da explosão da prece fingindo ser capaz
de vencer o sofrimento e o assombro.
O poema nasce, afinal, da ilusão
de que ainda resta algo para ser dito
e de que o silêncio é um cativeiro fugaz
em que as palavras se amotinam
para de novo voltarem a ser voz.
José Jorge Letria, O Livro Branco da Melancolia (2001)