* Rosa Duarte
Fazer da família um suporte real do indivíduo, que é um ser em permanente construção, tem sido objeto de estudo do projeto artístico em geral. Quantos letrados recorrem à palavra para revisitar histórias de família, como por exemplo aquela do viúvo preparado para a viagem que o levará até à sua senhora, crente na união perpétua (Valter Hugo Mãe, O Filho de Mil Homens, capítulo 5)? Quantos realizadores de cinema recorrem à representação para retratar a inédita beleza de cada amor filial (Pedro Almodóvar, Tudo sobre a minha mãe)?
Criar é também exprimir o desejo do outro num discurso artístico que alguns gostariam de fazer, mas não o fazem. Porque (ainda) não sabem. Porque é uma vontade que exige um trabalho árduo. Vontade não apenas de se imaginar a fazer, mas de fazê-lo de facto, num trabalho persistente e continuado, como o enlace do instrumentista no seu instrumento, várias horas por dia a tocar a mesma composição musical. Enid Blyton dizia que ser escritora era sentar-se e escrever. Não partilhava da crença na bênção do escritor pela musa inspiradora para iniciar a sua obra. É uma atitude interessante pela intenção desmistificadora e despretensiosa que constitui um convite espontâneo à criação e às inevitáveis reflexões sobre o ato criador, por aspirantes e pelos veteranos nestas lides criativas.
* Professora do Ensino Secundário